Confesso. Tenho orgulho quando meu filho chega com o uniforme sujo em casa. Parece que ali, entre cores e terras, ficaram registradas aprendizagens que, literalmente, foram encarnadas em seu corpo.
Leia Mais
Maquiavel, um guia para viver Lugar de Fala. Falácia ou censura? Guerra de Troia e as batalhas diárias Nativos digitais e analfabetos sociais: o celular e a sala de aula Nepotismo: o mal da política Ninguém pode salvar o outro do desejo que é dele
A vida gerencial e higienizada que, na maioria das vezes, queremos impor às crianças é assustadora. Aulas distribuídas entre pequenos espaços de tempo, novas línguas visando o mercado de trabalho, atividades extracurriculares, digitalizações e terapias holísticas fazem delas pequenos CEO’s, sigla para Crianças Excluídas do Ócio.
Enquanto isso, na educação, vamos fazendo tudo ao contrário. Privamos as crianças do brincar e da sujeira pedagógica que lhes oferece anticorpos simbólicos. Quando chegam no Ensino Médio, fase que exige um contato direto com o esforço e obrigações da vida adulta, tentamos corrigir a falha. Aí projetamos um ensino mais “lúdico”, “mão na massa”, cheio de espaços recreativos que criam, nos jovens, a expectativa de que a vida será uma eterna jornada de experiência em um escritório da Google: colorido, com horário flexível, partidas intermináveis de videogame e refrigerante acompanhado de pizza a qualquer hora.
Leia: A política ainda irá matar o futebol
Vale lembrar que a infância não é um período que antecede outra etapa da vida, como se fosse uma antessala, local de preparação para o que virá. Ela é uma dimensão existencial, uma condição humana. Não cabe a ela ser antecedência ou consequência de outras idades. Como todo momento vital, ela é um fim em si mesmo.
Leia: Filosofia epicurista: aprenda a viver de forma barata
Interessante é que a própria filosofia era vista, em Atenas, como uma brincadeira cognitiva, coisa de criança. Por isso que os homens ocupados com seus negócios e suas guerras não aceitavam o fato de alguém dedicar tempo para essa coisa inútil que chamamos de pensamento, reflexão, sabedoria.
A educação de alguém não pode ser vista como investimento, na qual depositamos um valor, no presente, e esperamos recebê-lo, com lucro, no futuro. Ela se parece, muito mais, com o ato de doação, entrega que desamarra egoísmos e enlaça sentimentos de coletividade em torno de uma narrativa que dê sentido a pessoas que precisam de um grupo para viver. É preciso se sujar para se relacionar, verdadeiramente, com o conhecimento.
Chego a pensar que só é bom educador aquele que se especializou no letramento dos uniformes sujos.