Jornal Estado de Minas

Francisco morales

São inúmeras as lições que a escola pode tirar dos efeitos da pandemia

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Como num passe de mágica, a crise do coronavírus nos tirou do prumo e balançou, de forma avassaladora, as fundações de um projeto civilizatório aparentemente sólido e vencedor. Conceitos, pressupostos e formas de vida que nos pareciam secularmente consolidados ruíram como um castelo de areia. Algo assim como se o “tudo que é sólido se desmancha no ar”, de Marshall Berman, tivesse se concretizado.


Três dos pilares básicos do capitalismo moderno foram atingidos por esse tsunami: a sacralização do dinheiro, traduzido em consumo desenfreado e na busca de status e poder; a corrida frenética contra o tempo (time is money!) e a relação predatória com o espaço/natureza. Nada de ócio criativo (Domenico de Masi), ou relações cordiais e respeitosas com os outros e o entorno. Durante muito tempo fomos levados a crer que o nosso modo de vida deveria de ser obrigatoriamente esse e ponto final.

Essa mentalidade formatou e contaminou as nossas relações, familiares, sociais, com o meio ambiente e com outras instâncias do nosso viver, como o ócio, a cultura e o entretenimento. Evidentemente, a educação e todo seu entorno não escapuliram dessa visão dominante e redutora, o que nos levou a graves problemas pelos quais agora nos sentimos presos.

Frases como “quando tudo voltar à normalidade”, faremos isso ou aquilo, ou “nada será como era antes”, pois a experiência está sendo muito marcante, são escutadas diariamente. Ao final, tudo vai ou nada vai mudar? Voltará tudo a ser como era antes ou algumas coisas permanecerão? As mudanças afetarão por igual a economia, o trabalho, a saúde e a educação? Conseguiremos lançar “um novo olhar” sobre os antigos problemas?

A grande chave de leitura é essa: estamos experimentando que é possível outra forma de viver; que podemos nos relacionar com o tempo de forma mais sadia; que é possível subsistir de maneira mais frugal e sustentável; que os nossos relacionamentos devem passar pela colaboração e enriquecimento mútuos; que podemos conviver com a natureza de forma respeitosa e harmônica. Enfim, que outra existência é possível.


Começar já: após algumas semanas de desorientação, compreensível pelo abrupto do novo cenário, muitas escolas se articularam rapidamente para responder ao desafio de oferecer continuidade na formação dos seus estudantes. O problema é que, inconscientemente e de forma virtual, repetimos as mazelas da prática educativa presencial: muito conteúdo e normativa, conduzindo o processo educativo de forma tutelada. A virtualidade da tecnologia não eleva o nível de uma instituição escolar, ao contrário, a consolidada no seu posicionamento real. Escola deficiente presencialmente, possivelmente o será mais ainda na modalidade virtual. Mas escola considerada competente presencialmente não tem garantia de sê-lo também no formato virtual.

Redes colaborativas: nesse contexto, estamos perdendo uma ocasião única de promover práticas colaborativas entre professores e estudantes e estudantes entre si, compartilhando conteúdos e produção pessoal, criando redes de aprendizado e troca, e já estabelecendo, assim, alguns padrões para o futuro da educação. Deveria ser preocupação das escolas criar uma rede de formação e suporte para os professores nesse momento totalmente novo para a maioria deles.

A mudança como padrão: a mudança parece que será a única constante no futuro. Ela irá exigir dos profissionais da educação flexibilidade mental, desenvolvimento de habilidades socioemocionais e atitude contínua de aprendizado (aprender a aprender). Somado a isso, o autoconhecimento e a clareza dos novos cenários, para poder organizar o aparente caos externo, a partir de um ordenamento interior, e assim poder atuar de acordo.


Refundar a alma da escola: para repensar valores e alterar a sua escala, a escola deve aproveitar o momento histórico da quarentena para estabelecer novos parâmetros que nos ajudem a definir o que é sucesso e o que é fracasso (pessoal, escolar, social).

Isso exigirá passar de valores como a procura do sucesso individual, acima de tudo e por cima de todos, ao respeito mútuo e ao estabelecimento de relações justas e de serviço.

Valorização do cotidiano: a riqueza do dia a dia escolar é incontestável, pois é nele que criamos um clima adequado para a relação e o crescimento, propiciando o suporte para novos desenvolvimentos pessoais e coletivos. Levando em conta que as pautas escolares, agora mais do que nunca, deverão ir do real para o teórico, e não dos bancos escolares para a realidade, devemos promover um olhar crítico e fundamentado sobre a realidade, a relação interpessoal e a autonomia colaborativa

Apropriar-se da tecnologia, com tudo o que ela traz de bom, de facilitador, criando compartilhamento, democratização e personalização do saber. Aliada fundamental no aprender a reaprender, merece capítulo à parte.

Estimular outros modelos possíveis de futuro: combater a distopia, a desilusão, os cenários catastróficos, alimentando uma sadia utopia, que colabore com a nossa saúde mental, abra perspectivas de um futuro promissor e alimente um otimismo realista sobre o ser humano. Humanização é a palavra-chave.

Sabemos que a pandemia poderá ser intermitente durante alguns meses. Preparemo-nos para tempos novos que, apesar do sofrimento e da incerteza, poderão ser mais humanos, mais fraternos e mais benévolos para todos nós.

Mãos à obra!