O número chama a atenção por ser, realmente, impressionante: mais de 860 milhões de estudantes no mundo estão fora da escola devido à pandemia pela COVID-19. Cabe pensar que, além dos problemas burocráticos e acadêmicos que tanto preocupam a governos, famílias e profissionais da educação, outros mais graves e severos estão chegando silenciosamente. Refiro-me à epidemia da “saúde mental”, com os seus desdobramentos. Alguns estudiosos já nos alertam para isso, chamando-a de “quarta onda sanitária”. O excesso de informação (infodemia) tem ajudado, também, a consolidar e aumentar a ansiedade, a depressão e o medo. Perdemos os “portos seguros” e o futuro se nos apresenta, cada vez mais, incerto e desafiador. Qual será o impacto dessa quarta onda nas escolas e como enfrentá-la?
Nesse contexto, a volta às aulas presenciais aparece, para muitas famílias e seus filhos, ansiosos por respostas e soluções, como tábua de salvação. As escolas, já exigidas até a extenuação pedagogicamente pelo novo contexto, estão sendo obrigadas agora, a fazer um “para casa inédito”. Assim, observamos um esforço enorme por parte das instituições escolares no sentido de prepararem a volta às aulas presenciais de forma segura e adequada, mesmo sem saber quando vai acontecer. Centenas de webinários, bate-papos, cartilhas e manuais de novos protocolos tentam orientar na preparação dos ambientes, nos novos códigos, na capacitação de professores e colaboradores, em vista à recepção dos estudantes e suas famílias, para tentar minimizar o impacto desse ansiado retorno.
O ser humano, acostumado a construir refúgios em círculos que lhe ofereçam aparente segurança e continuidade, busca afanosamente por mais um. Na realidade, o que precisamos é criar círculos virtuosos abertos, que nos conduzam para a frente e para cima. A ideia é não se fixar no circunstancial, pois isso é efêmero e vai passar. Podemos remover facilmente estações de sanitização, vidros de álcool em gel, máscaras e divisórias, ou reorganizar as salas e horários de novo. Mas, não se consegue fazer isso com as marcas impressas na alma. Invista, claro está, no que seja necessário para recomeçar de forma segura e adequada, mas não se esqueça: são outras as marcas que devem tomar a atenção principal da sua instituição agora. E é nelas que se deve investir mais, se quiser consolidar um projeto educativo de futuro e com futuro.
Permita-me, caro educador/gestor, algumas dicas básicas, fundamentadas no bom senso, na comunicação e na lucidez. Chamemos a isso, se me permite, de Círculo Virtuoso do Cuidado.
1) Organize com a sua equipe os previsíveis problemas por “ordem de prioridade” (os mais próximos e os de meio prazo) e “pelo peso humano” que cada um deles pode ter para os seus estudantes, de acordo com a idade e o amadurecimento. Que o primeiro venha em primeiro lugar e que o prioritário seja tal, parece óbvio, mas não é.
2) Não se deixe pressionar pelas urgências dos pais, e sim dos seus alunos. Desloque a prioridade do acadêmico, da avaliação e dos conteúdos para o socioemocional, o humano e a escuta. Lembre-se, o primeiro vem em primeiro lugar e sem resolver isso nada avançará bem. Construa bases que lhe permitam um trabalho pedagógico posterior sólido e com sentido.
3) Coloque no centro, então, o emocional dos estudantes e as suas vivências traumáticas no período de pandemia, através da escuta, do diálogo e da representação. Sem dar vazão a isso, possivelmente, qualquer construção estritamente pedagógica não terá eco e nem encontrará terreno fértil. Trabalhe esses temas com os seus colaboradores e crie uma equipe de apoio com profissionais qualificados.
4) Convoque, num segundo momento, os seus profissionais mais criativos (artes, educação física, tecnologia, recreação e outros) para que tentem fazer que os estudantes expressem e visualizem o que lhes preocupa e gera ansiedade neste momento, de forma pessoal, sociabilizada e criativa. Poderá ser através de jogos, painéis, exposições, nos quais encontrem caminhos de expressão e superação dos problemas e traumas menores.
5) Trabalhe a dimensão espiritual dos seus estudantes, dê sentido à dor e à finitude, partilhe a esperança ativa de um destino comum, ajude a elaborar pautas novas para as perguntas e experiências difíceis desses meses de incertezas e medos. Não varra para debaixo do tapete as questões fundamentais. Espaços e tempos para ioga, meditação, celebrações e orações podem ajudar muito.
6) Não abra mão de fazer da sua comunicação (clara, direta, objetiva e adequada) um valor para sempre (antes, durante e depois). Comunique-se para conectar, para fazer crescer, para colocar o que é realmente importante para a sua instituição e os valores nos quais acredita. Comunicação é mais, muito mais, do que informar para ficar bem com as famílias dos seus estudantes.
Essas bases postas e essas questões encaminhadas, ficará mais fácil o resgate de conteúdos, avaliações e outros assuntos “menores” que tanto preocupam. Não se esqueça: o primeiro em primeiro lugar!. Em recente entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o economista indiano Mohammad Yunus, Prêmio Nobel da Paz de 2006, disse que “tínhamos acabado de começar a década da última chance, quando a pandemia nos retirou da rota suicida em que nos encontrávamos”.
Servirá essa afirmação também para a escola? Aproveitaremos a chance? Conseguiremos desenhar um círculo novo?
Francisco Morales foi diretor-geral do Colégio Santo Agostinho-BH durante 20 anos. Atualmente, é diretor pedagógico do Grupo Educacional Vereda