As situações provocadas pela pandemia têm feito emergir ou ressuscitar alguns conceitos que andavam esquecidos: telemedicina, ensino remoto emergencial, home office e outros, têm se tornado corriqueiros nas nossas conversas. Eles se desdobram em conteúdos importantes e exigem uma compreensão adequada. Dois deles, globalização e glocalização, chamam a minha atenção nesse momento, pois carregam uma força que pode nos ajudar a entender melhor o momento atual e a repaginar propostas, inclusive no mundo da educação.
Uma definição clássica de globalização é aquela que a entende como “um dos processos de aprofundamento internacional da integração econômica, social, cultural e política, que teria sido impulsionado pela redução de custos dos meios de transporte e comunicação dos países no final do século 20 e início do século 21”. Segundo alguns autores, ela foi iniciada com a expansão marítimo comercial europeia do final do século 15, e só veio a ser culminada após a queda do Muro de Berlim (1989) e o final da Guerra Fria (1991). É nessa época que o termo globalização entra no discurso científico e político, tentando traduzir as mudanças sociais, econômicas e culturais pelas quais a sociedade estava passando.
Como consequência da Revolução Técnico-Científico-Informacional, a globalização foi evoluindo e se transformando ao longo dos últimos 40 anos. O desenvolvimento e a expansão dos sistemas de comunicação, a informática, os avanços científicos e tecnológicos e os transportes atuaram como suporte técnico e estrutural para a intensificação das relações socioeconômicas e culturais em escala mundial. Entre os aspectos positivos da globalização, é comum citar: os avanços proporcionados pela evolução dos meios tecnológicos; a difusão do conhecimento, do comércio e dos investimentos; o surgimento de redes mundiais e de blocos econômicos. A tese difundida pelos defensores desse sistema globalizante, é a de que o Estado deve ser mínimo para não atrapalhar a iniciativa privada, sem importarem as consequências sociais, principalmente para as camadas mais desprotegidas.
Dentre os aspectos negativos da globalização, o principal é a desigualdade social promovida por ela, pois o poder e a renda estão concentrados nas mãos de uma minoria; a forma exploratória nas relações comerciais; a impositiva política de comunicação entre as diferentes nações e comunidades faz com que culturas, valores morais, educacionais e outros sejam reproduzidos de forma acrítica, reforçando a ideologia dominante. Isto se traduz numa hegemonia quase absoluta dos centros de poder através das elites locais e em detrimento da população em geral.
Já glocalização, é um neologismo resultante da fusão dos termos global e local. Refere-se à presença da dimensão local na produção de uma cultura global. O conceito foi construído na década de 1980 a partir do vocábulo japonês dochakuka (“o que vive em sua própria terra”), que se referia à adaptação das novas técnicas agrícolas a cada lugar. Tende-se, assim, a valorizar o local enquanto realidade social, frente ao desequilíbrio e flagrantes injustiças provocadas pela globalização.
No Ocidente, o primeiro autor a explicitar a ideia de glocal foi o sociólogo Roland Robertson (1992). Segundo ele, “o conceito de glocalização tem o mérito de restituir à globalização a sua realidade multidimensional; a interação entre global e local evitaria que a palavra “local” definisse apenas um conceito identitário , contra o “caos” da modernidade considerada dispersiva e tendente à homologia”. Estamos falando, então, de um processo dialético entre o global e o local. Segundo Robertson, devemos “globalizar o local e localizar o global”.
Numa recente entrevista à BBC, o sociólogo estadounidense Jeremy Rifkin, insiste, também, na ideia de glocalização, pois são necessárias, segundo ele, soluções locais em termos de infraestrutura, energia, comunicação, logística, preservação ambiental, saúde e educação. E sugere que pensemos de forma interativa: precisamos das comunidades nacionais para poder responsabilizar os atores a que são atribuídos os diversos serviços (saúde, educação, segurança, emprego), mas é necessária também uma visão mais ampla, que nos coloque em sintonia com os povos do mundo, sua problemática e desafios, que também são nossos.
Como a educação poderá ajudar nesse novo olhar para a sociedade? Em que sentido devemos aplicar esse binóculo à nossa realidade educacional e responder aos seus desafios para entregar, assim, novas perspectivas à sociedade atual? Só um exemplo. Na década de 1960, o filósofo, educador e pensador canadense Herbert Marshall McLuham (1911-198) falou do mundo como uma “aldeia global”, antecipando-se assim ao que depois viria. Também vislumbrou a internet quase 30 antes de ser inventada (“uma grande teia gerida por uma alma suprapessoal, sem destinos ou lugares rígidos”). Quais os pressupostos que usou se não esses dos que estamos falando?
Se conseguirmos que as nossas escolas e universidades carreguem nas suas matrizes curriculares, propostas de ensino, projetos e atividades formativas os grandes temas emergentes que afligem a humanidade e, ao mesmo tempo, tragam luz e compromisso sobre as urgências nacionais e locais que nos desafiam e exigem resposta, estaremos fazendo a síntese adequada que hoje é esperada das nossas instituições.
Pense globalmente, mas atue localmente!
. Francisco Morales Cano
Professor e consultor educacional
Diretor da Doxa Educacional