O debate está nas ruas e tem consumido grande parte do nosso tempo. Enquanto uns são a favor, outros são contra, e todos com mil argumentos que acham irrefutáveis. Estou me referindo à questão da volta à escola ou às aulas presenciais. Fala-se em ano jogado fora, estresse das famílias, perda de conteúdo, desinteresse dos estudantes e direitos lesados, num debate sem fim e sem aparente fácil solução. E assim, entre álcool em gel, máscaras, confinamento, novos protocolos, propostas educacionais miraculosas e bastante desespero, os dias vão passando e o novelo não se desenrola.
O retorno ao presencial exige, além de uma “nova infraestrutura física”, resposta aos enormes desafios educacionais, emocionais e psicológicos, tanto para alunos e famílias quanto para professores e equipes diretivas. Isso aumenta ainda mais, se cabe, a responsabilidade na capacidade de adaptação e resposta de todos os atores envolvidos nesse “novo tempo escolar”. A ONU defende uma volta às aulas presenciais escalonada, para evitar o que ela chama de uma “catástrofe geracional”, principalmente para os alunos mais pobres e com menos acesso à internet.
Destaco alguns tópicos que chamo de “efeitos colaterais”, efeitos que considero que devem ser saudáveis e reparadores para a atividade educativa, enormemente questionada e que busca, de maneira acelerada, desenhar o seu novo rosto. São como o reverso positivo da moeda e podem nos ajudar a dar uma cara boa a um rosto amargo.
>> Complexidade versus simplificação. A tentação da simplificação, fugindo de respostas mais elaboradas e completas, tem nos levado a escolher políticos e dirigentes despreparados e irresponsáveis, que oferecem soluções fáceis e populistas. Segundo estudiosos, a simplificação é o maior perigo para a democracia, por cima da violência, a ineficácia ou a corrupção. Não confunda simplificação com simplicidade. A essa última só consegue chegar quem entendeu a complexidade da sociedade.
>> Criticidade com as mídias. Ninguém duvida dos valores e benefícios das mídias sociais, mas já há suficientes elementos para se prevenir de certos males que elas provocam (alienação, manipulação, superficialismo, narcisismo). Aconselho que assista ao documentário The social dilemma. Talvez você não perca o sono, mas ficará bem questionado. Para a maioria das mídias, NÓS somos o produto, é uma das conclusões do mesmo.
>> Escute vozes diferentes das que sempre escutou. Leia outros livros, veja outros filmes, frequente outros ambientes, converse com outras pessoas. Se quiser chegar a novos lugares, você deverá abandonar os caminhos que sempre seguiu, pois as trilhas de sempre o levarão aos lugares de sempre.
>> Reveja seus conceitos de sucesso e fracasso e a ideia de meritocracia. São conceitos armadilha, que têm afastado mais do que estimulado, dividido mais do que somado, desorientado e justificado mais do que ajudado a construir uma sociedade mais igualitária e justa. Nessa teoria, sempre são poucos os privilegiados e a justificação do desastre coletivo é sempre o mérito. E, muitas vezes, a educação colabora para isso.
>> Promova a “solidariedade social”. Agora você entende que o distanciamento social sempre existiu e está consolidado e não o confunde com “isolamento social”. A aproximação social pela qual devemos lutar deve de ser social mesmo, isto é, abranger todos os âmbitos da sociedade e das pessoas. Alargue a sua visão e leve isso para dentro da sua escola.
>> Pratique uma nova forma de olhar, mude a sua lógica. Enxergue o estresse dos seus alunos, da sua instituição, tenha um novo olhar sobre a política, o mundo, as relações, a natureza e o seu próprio corpo. Vigie as autolesões, a reatividade emocional ou a excessiva dependência dos familiares adultos, nos seus alunos.
>> Trabalhe o essencial. Os currículos e conteúdos escolares estão defasados e antiquados. O presente, com essa enxurrada de informações, pede um foco no essencial. Portugal, por exemplo, conseguiu, depois de emagrecer os conteúdos, reduzir significativamente a taxa de abandono escolar e tornar-se, pelos seus resultados em avaliações internacionais, um país modelo em educação. Tanto na escola quanto na sua vida, não seja um info-obeso e mantenha o foco no essencial. Nesse sentido, pode ajudar a leitura do livro Essencialismo, de Greg McKeown.
>> Cuide da vida e do emocional. Além da pressão acadêmica, os seus alunos vão precisar, e muito, de apoio emocional. Você tem de escutar e regular cada experiência individual. Cuide da sua saúde física e mental. Mantenha uma atitude e psicologia positivas. Trabalhe a sua resiliência e a dos seus alunos. O repasse dessa atitude aos seus estudantes é imediato e inconsciente, mas extremamente benéfico.
>> Facilite a participação dos seus alunos, por meio de múltiplas iniciativas e ferramentas ao seu alcance. Separação física não pressupõe falta de participação, e aluno não deve ser sinônimo de passividade. Não foque tanto nas medidas higiênicas e, sim, nas pedagógicas e do envolvimento ativo das pessoas.
Enfim, enxergue a realidade com um olhar mais cordial do que catastrófico. Na pandemia, desenvolvemos novas habilidades, novos conhecimentos e atitudes que nos servirão para o resto das nossas vidas. A única forma de ter capacidade para resolver problemas e conectar diferentes campos da vida é apropriar-se de conhecimentos profundos e experiências vitais, mesmo que traumáticas.
Seja firme! Mãos à obra!
Professor e consultor
Sócio Diretor da Doxa Educacional