Como uma retroescavadeira pilotada pelo Cid Gomes, o Atlético partiu pra cima do Unión de Santa Fe, essa espécie de URT da Argentina. Amotinados em seu campo, viram o portão do quartel ser arrombado quando o bolivariano Otero mandou aquela folha-seca, um Leônidas da Silva com a 11 do Éder Aleixo, que fase! Ouvido no radinho, vislumbrei de olhos fechados a casa caindo. Não era milagre, lembrei, era Atlético Mineiro.
É sabido que o 2 a 0 contra (2a0contra) é a nossa senha pra falar com Deus. Ao tomar o segundo na corcunda, é como se apitasse o pager do homem lá em cima, o sósia de Karl Marx. No bina, “Atlético Mineiro”. Daí pra frente, com sua mão saída das nuvens, dá-se o inconcebível, o apagar das luzes, a virada épica, o milagre que não é milagre. Ou se dava, pois o sinal no andar superior parece não estar lá essas coisas, ou é Deus mesmo sem tempo para o futebol, atarefado que está com assuntos menos importantes, como as guerras e os desastres.
Por um momento, concluí que a senha havia sido alterada, claro, por questões de segurança é sempre oportuno fazê-lo, todo mundo sabe. 3a0contra e certamente tocara o alarme preso à cordinha que amarra a túnica branca de Deus. Ele esticou o dedo (daquele mesmo jeito que Michelangelo o pintou no teto da Capela Sistina) e apontou o Independência lá embaixo. “Que se produza o milagre”, disse a um de seus assistentes. “Não é milagre, Senhor, é Atlético Mineiro”.
Neste exato momento houve uma bola do Unión que bateu na trave e voltou na mão de Michael. La mano de Diós. Dois lances depois, o zagueiro-escavadeira atropelou Rever na área. Pênalti convertido por Hyoran, que àquela altura jogava como o Cruijff que seu pai supostamente desejou homenagear. Tenho por mim que o homem lá em cima confundiu as bolas: achou que duas bastassem. Como de costume. O fracasso se deveu à senha alterada com sucesso, certeza. Quando Hyoran fez o gol, Ele desligou o pager e foi salvar o Cid Gomes. Deu no que deu.
Prova disso foi o gol perdido por Nathan ainda no primeiro tempo. Ao desligar-se do jogo, Ele não se deu conta de que faltava ao Galo um ovo na bunda da galinha. Foi aí que passou a operar o Cramulhão, o Coisa Ruim, o Sete Peles. Machucou o Réver, entrou o Maidana, se não é Deus, você sabe, o Dudamel botava o Zé Ruelison. Por fim, nem o “Eu Acredito” foi capaz de produzir o terceiro “milagre”. Até porque seria necessária uma longa sessão de exorcismo para espantar os encostos que se apossaram de Di Santo e do Pastor, ainda mais juntos e misturados.
Agora temos o Afogados na quarta-feira de cinzas. Parece título de filme do tristemente finado Zé do Caixão. “Afogados na quarta-feira de cinzas”, tal qual Esta noite encarnarei no teu cadáver. Ave Maria! Sai de mim! Que estejam certos os benditos analistas, meu amigo Leonardo Bertozzi em primeiro lugar: “Ter vencido por 2 a 0 com uma formação tática diferente mostra um caminho para ao menos estabilizar o rumo da montagem do time”. Rezemos por isso, porque a Tombense lidera o Mineiro e os 45 pontos no Brasileirão já pareciam uma miragem no deserto.
“Vamos esquecer a Caldense!”, me disse um otimista patológico. Não, é exatamente o contrário: vamos lembrar que não dá mais para Zé Welison, Di Santo ou o Pastor, que é hora de Guga e Arana, que o Independência, nas circunstâncias atuais, é melhor que o Mineirão. Allan, seu filho do capeta, se não fosse aquele pênalti desperdiçado, o milagre teria acontecido, a senha teria funcionado... E o Galo seria, mais uma vez, a retroescavadeira a nos retirar do fundo do poço. Agora já foi — só não morramos afogados, pelo amor de Deus!