Amanhã é dia de Galo, e que não venham os detratores empanar nossa picanha, botar água em nosso chope, subtrair qualquer quinhão que seja da nossa demasiada alegria. O Galo campeão é a medida mais eficaz no combate aos homicídios, o melhor dos sermões pela preservação do casamento. O Galo campeão é a celebração da paz e do amor, John e Yoko, Gandhi e Jesus Cristo. Qualquer coisa diferente disso, qualquer tombo que por ventura ocorra, toc-toc-toc, o mundo acordará na segunda-feira como uma grande família de Flordelis, abençoado pelo pastor Everaldo e o padre Robson. Deus que livre e guarde!
Não venham também diminuir este feito notável. O atleticano é antes de tudo um atleticano – e torce pelo Atlético desde a atleticana do BBB até a a Miss atleticana que namorou o Aécio, argh!, deve ser o efeito de tantas leituras e releituras de O pequeno príncipe.
Se o Galo ganha na bocha do clube ou no campeonato de totó do condomínio, se triunfa na Bolsa de Valores com os Menin ou no breque dos entregadores de aplicativo e seu líder revolucionário chamado Galo – secretamente, para não causar espanto às pessoas normais, festejamos a sorte de sermos atleticanos. Não é a taça, me disse o Kalil certa vez, é a honra. Bingo!
Alguns dirão que algo que se ganha 45 vezes não vale nada. Vencer, vencer, vencer – mas não era isso que você queria? Pois, então, toma! É preciso contar aos mais novos algumas verdades. Outro dia mesmo, fui obrigado a explicar ao meu filho, Francisco, que o Atlético é muito maior que o PSG. Ele me olhou desconfiado, atleticano novo, torcedor de XBox. Recorri ao Google e lá estava a prova irrefutável: foram fundados em 1976! São Caetano de Paris!, cravei. O Galo não. O Galo é o Galo, de tantos campeões mundiais, de Reinaldo, aplaudido de pé no Parque dos Príncipes. Coitado do PSG perto de nós.
É preciso ensinar a verdade dos fatos: os campeonatos estaduais valiam mais que a Libertadores, e vencer o Mineiro de 1976 foi muito mais importante do que o título sul-americano do antigo rival. Naquele ano, minha avó me levou a um camelô nas imediações da velha rodoviária de Araxá e me comprou um boné onde se lia: “Campeão Invicto 1976” – mais tarde assinado pelo Cerezo quando eu e minha mãe o encontramos na Ranieri da Savassi. Eu tinha 4 anos. O boné está guardado até hoje, desmilinguido e alquebrado, como um troféu que ninguém me tira.
Cada uma das taças dos campeonatos mineiros que eu ganhei está gloriosamente exposta na sala de troféus da minha memória. Verdade que, adentrada a adolescência e sobretudo a juventude adulta, as comemorações por demais etílicas foram se misturando umas às outras – e tal sala de troféu parece derretida como o quarto de Van Gogh.
Ainda abstêmio, guardo com carinho dobrado a conquista do penta de 1982. Meu pai, que não gostava de futebol, resolveu requerer dos meus tios a guarda da criança naquele domingo de céu nublado. Para o meu azar, comprou entradas para as cadeiras numeradas, negando-se à balbúrdia da arquibancada. Meu pai não gostava do Reinaldo, não sei bem o motivo, um jeito de me pentelhar, assim como eu, Francisco e Neymar. Ele falava mal do Reinaldo e eu ficava profundamente ofendido – àquela altura, com 10 anos, eu já sabia que Maradona era maior do que Pelé e menor do que Reinaldo.
Sentamos na cadeira numerada e o Cruzeiro fez 1 a 0. Mas, então, deu-se o fato de uma intervenção divina na forma de um toró danado, uma cortina de chuva que despencou como um véu por sobre a Força Viva e os Dragões da FAO, bem na nossa frente. A chuva sempre nos incendiou, e naquele dia, por trás daquele véu de noiva, havia 100 mil em sessão de descarrego de igreja evangélica, pedindo aos céus pela veia estufada do gogó. Viramos o jogo com um gol de Reinaldo.
Vinte anos depois (serão 30? 25?) estamos todos bêbados a caminho da sede de Lourdes, o Galo campeão. No carro da frente, meu amigo Coelho da Floresta (havia o Coelho da Serra, este no carro de trás) saca um foguete da janela e aponta para o céu.
Sem dar-se conta de que o artefato estava de ponta-cabeça, vimos a bolinha de fogo quicar no interior do Escort antes da explosão final. Quantas cervejas foram necessárias para resfriar a queimadura na pata direita do Coelho! Tudo bem, vão-se os anéis, ficam os dedos, e só importava o Galo campeão.
Não éramos realmente hábeis no manuseio de fogos de artifício. No máximo, em dias de clássico, íamos bem cedo para os bares da Abrahão Caram esperar por cruzeirenses desavisados que, tão logo surgiam, eram recepcionados com tiros de biribinhas de festa junina, aquelas que se atira no chão. O alvo era a testa.
O atleticano campeão não atira em ninguém, nem mesmo com a biribinha da festa junina. O atleticano campeão só quer a paz e o amor. O Tombense há de entender que o mundo precisa do Galo campeão. O mundo merece. Vamo, Galo, pelo amor de Deus!