O Galo Doido de Jorge Sampaoli sofre de uma patologia diferente de outros Galos Doidos, como o de Cuca ou, tempos idos, os de Procópio ou Barbatana. Como se sabe, há doido pra tudo neste mundo. Alguns são pacíficos, apenas beliscam azulejos. Outros atiram pedras em avião. No hospício de Sampaoli, uma das especialidades dos internos é provocar a ira das pessoas normais – no caso, nós, nem tão normais assim, vamos aceitar.
Com 10 minutos de jogo contra o Santos, este escriba era um cachorro louco a espumar de raiva, morder o controle remoto e avançar sobre outras pessoas na sala. Cretinos! Sevandivas! Como podem perder tantos gols??? Cabeças de melão! Néscios! Filhos da Damares com o Ricardo Salles! E dá-lhe o julgamento precipitado das mães e o preconceito contra o ofício milenar.
O Galo Doido de Sampaoli é capaz de deixar o atleticano embevecido e emputecido ao mesmo tempo – ou em questão de poucos segundos. Qualquer pessoa sensata é contra a violência a que estão submetidos os jogadores de futebol, muitas vezes vitimados por um passe equivocado, uma bomba que, dadas as circunstâncias adversas, acabou por sair um traque a morrer nos braços do goleiro. Como o atleticano não tem a sensatez entre suas qualidades, eu gostaria de esganá-los com meus próprios punhos quando desperdiçam chances em série. Matadores de araque! Pés de alface!
Locutores se espantam com a eloquência e o gestual tresloucado de Sampaoli à beira do campo, com seu número elevado de cartões amarelos. Eu me espanto com seu autocontrole, dele e de seu preparador físico: fosse qualquer um de nós, invadiríamos o gramado para o exercício didático de voadoras e pescotapas. Sampaoli é uma Madre Teresa de Calcutá, e o preparador físico expulso na quarta-feira, um Buda.
Quando vi o Rafael disputando aquela bola no meio do campo, confesso que desejei primeiro cometer um homicídio. Mas me arrependi quando o vi saindo de campo, expulso, momento em que reparei mais detidamente no belo manto que enverga o goleiro do Galo – o ideal, sem dúvida, seria o latrocínio.
Puerra, Sampaoli, que carajo fazia Rafael en medio de la cancha? Tudo bien que se joguem com los pies, pero cê tá careca de saber que precisa también usar la cabeza! Non vou gastar mi portunhol selvajem, pero te regalo un conselho muy amigo: despacio com el andor, que el santo é de barro.
E por falar em santo de barro, que se queimem na fogueira os detratores de São Victor. Hereges! Vocês têm rabos de seta! “O que faço eu do meu ateísmo?”, perguntei, cá com meus botões, quando do Primeiro Milagre de São Victor. “Na hora que alguém vier me falar que Deus não existe, que tudo começou no Big Bang, direi: e aquela perna esquerda?. A perna esquerda de Deus – La Canhota de Diós.” Agora, quando dizem que São Victor não joga com os pés, eu me permito perguntar outra vez: e aquela perna esquerda?. De fato, São Victor não joga com os pés – joga com Deus.
Pois bem, o Galo de Sampaoli nos emputece e nos embevece, sim, mas até o nosso emputecimento carrega em si uma certa beleza. Odiamos – mas o ódio para com o goleador que perde o gol (que até vovó faria) é um ódio nostálgico, por assim dizer. Odiamos sem precisar do comando de um Gabinete do Ódio, sem a necessidade da distorção maldosa da verdade, do fascismo que cria e destrói inimigos. Odiamos, aí, sim, com a clara intenção e falta de vergonha na cara daquele que, no fundo, só quer que a menina termine por beijar a rede. Basta a bola na casinha para que se renove a frente ampla do amor.
Pleno deste bom sentimento, declaro que fomos roubados contra o Santos: não houve falta no lance do Rafael, não foi pênalti no final. Deram sorte e vai ter troco. No entanto, devemos sempre respeito àqueles que são capazes de superar a ingratidão do ex, seja ele ex-marido, ex-mulher ou ex-técnico. Sobretudo, um ex-atacante. O santista jogava a final da Copa do Mundo pra ganhar do Sasha (são e serão sempre fãs de Sampaoli). Embora fruto de apropriação indébita, a vitória carrega esse ato de nobreza. No Mineirão, Sasha e Sampaoli poderão exercê-lo num troco bem dado, daquele que a gente recebia quando, em outros tempos, pagava o arroz com uma nota de 50.
Que venha, pois, esse Bragantino testa de ferro. Que o Red Bull nos dê asas pra subir na tabela! E que o Crüzëirö nos livre do ódio com a lição que o Bozo original nos deixou: “Sempre rir, sempre rir, pra viver é melhor sempre rir!”. Gaaaaaaalo!