Há momentos da vida em que, apesar de todas as dores e de todos os pesares, de repente se é assaltado por um otimismo tolo, porém, incontornável, uma esperança em modo Leminski, a tripudiar da busca pelos três pontos: distraídos venceremos.
Corro a semana entre onças de patas enfaixadas e a prestação que vai vencer. O plano de saúde informa que o remédio da Fabi está fora da bula da Anvisa, e por esse motivo ela não vai poder se tratar – e eu lá sabia que a Anvisa tinha bula? Só sei que nada sei, minha especialidade é se ferrar. Atleticano, né.
Custa R$ 69 mil, duas doses ao mês, 138 mil. O Paulo Guedes está na televisão: “O preço está alto porque o pobre está comprando mais”. Esses pobres estão fodendo tudo, penso comigo, eles estão cada vez mais ricos! Pois então há esperança: chegará o dia em que o pobre poderá dispor de um Corolla novo a cada 30 dias. A Fabi pode esperar.
Bato um fio para o Todinho. Atleticano, né. Vamos colocar esse pessoal no pau! Procurações, relatórios, contratos, termos de declaração. Ainda há juízes em Berlim! No Rio de Janeiro também: liminar deferida! Estouro minha Sidra Cereser, sambo sobre a carteirinha do Bradesco: vais me pagar, pode chorar, pode chorar. Sou a prova viva do pobre fodendo tudo, o sistema financeiro num vai guentá!
O Todinho da Cariogalo. Êh, Galo... Minha sogra agradece, ergue as mãos aos céus, é uma japonesa de São Paulo, nada ou quase nada sabe sobre a Igreja Universal do Reino do Galo, seus devotos, sua procissão a São Victor do Horto, seus pagadores de promessa com joelhos de sangue e a cruz dos 50 anos sem um Brasileirão. Digo, agradeça ao Clube Atlético Mineiro. União sinistra, que ninguém segura, o atleticano e o outro atleticano, 100% Galoucura! Aos 42 do segundo tempo, quando a noite nos emanta com a capa do Leo Silva, o Todinho avisa: caixa, caixa! O Todinho da Cariogalo. Eu a-cre-di-to!!! Eu a-cre-di-to!!!
Como se trata de um retardado, este escriba está convicto de que tudo agora se move pela força transcendental do atleticano que acredita. Lembro quando adquiri um insuspeito medo de avião. Estando lá em cima, desprovido de Deus e lutando contra a Lei da Gravidade, concentrava-me em imaginar o Mineirão lotado. A força da Massa. Dela emergia a mão salvadora e, como um King Kong, capturava a aeronave e a devolvia para o lugar de onde nunca deveria ter saído.
Olho a tabela e desejo tatuá-la na pele, enquadrar, colocar na sala. Congelar o mundo nesta sexta-feira em que me encontro a redigir mais esta encíclica da IURG. Que nada mais se mova. A Fabi. A esperança mora no topo da tabela. O Crüzëirö no subsolo. A manchete do Cavani. Estátua! Estão deixando a gente sonhar – e quando se sonha tão grande, a realidade aprende.
Tenho aqui, diante dos meus olhos marejados (o Galo é uma máquina de fazer homem chorar), um filme novo do Galo. Longa-metragem, cinema pra valer. A nossa história – que linda, senhores, é a nossa história. A utopia de um mundo melhor vestiu a camisa do preto e do branco. O Trio Maldito dos 9 a 2 eterno. Se o Santos parou uma guerra, o Galo ajudou a sepultar os seus horrores. Sempre, ao ver a solaca na arquibancada do Mineirão: “A torcida do Galo pode ficar no sol, mas é fiel feito a sombra”. O punho cerrado nas barbas dos generais. E quanta sacanagem, e quanta injustiça!
Mas nós vamos ficar. Nós vamos ficar – e cantar. Distraídos venceremos – sempre no plural, juntos e misturados.