O emputecimento, desculpe o vocábulo, está entre os mais nobres sentimentos – aquele capaz de mudar o mundo com mais eficiência. Franceses emputecidos botaram fogo na Bastilha e fizeram a Revolução Francesa. Fossem razoáveis, teriam apenas assinado uma petição a favor de mudanças que jamais viriam. Das Dez Pragas do Egito até a Primavera Árabe, alguém ficou muito puto e resolveu que era hora de botar fogo no cabaré.
É verdade que o sujeito emputecido pode perder a cabeça – mas isso só fez aumentar a importância de Tiradentes, pleno de tal sentimento com relação à Coroa Portuguesa. O cidadão dito puto (e isso não se circunscreve ao gênero masculino, embora a cidadã dita puta não encerre a revolta a que me refiro), de preferência fora de si, é absolutamente necessário(a) para fazer girar a grande roda da história.
O atleticano emputecido, insisto no palavrão, é o primeiro responsável pela sobrevivência do Atlético (embora tenha invadido o centro de treinamento esta semana, falta ao cruzeirense alguns pontos na escala Richter do emputecimento, motivo pelo qual morrerão). Não fosse aqueles atleticanos que perderam a cabeça, Ziza não teria dado no pé, safando-se de acabar como a Maria Antonieta na guilhotina da Galoucura. É só uma entre tantas vítimas da nossa ira. Tamanha, que não se pode dizer “ira” – é preciso recorrer ao multissilábico “emputecimento”, o único a estapear o oponente com seu nome sujo e sua incontornável devassidão.
O atleticano emputecido é antes de tudo um bravo – e antes de antes de tudo, um chato monumental. O mais chato entre todos os chatos a externar sua ira e expelir seus perdigotos de COVID. O atleticano puto move montanhas – e técnicos farsantes, e cabeças de bagre, e cartolas safados, e aproveitadores em geral. O atleticano puto demitiu Thiago Neves antes que pudesse ser contratado. Fosse no Galo, não deixaria esfriar o prato da vingança – comeria vivo o Pires e seus acompanhamentos.
Depois da derrota para o Fortaleza – que feio, contra 10 desde os 38 do primeiro tempo, vixe, e ainda somos aliados do Ceará conforme as ordens do partido –, saiu da jaula o atleticano emputecido, o Corneta na Veia inscrito no programa do sócio-sofredor. Dessa vez, a guilhotina serviria a Sampaoli, o gênio até aquela quarta-feira de cinzas, de repentemente transformado em jênio, um Ney Franco piorado, um Lisca Doido medicado e curado.
E taca-le pau nos cornetas todos! De repente, aquela cizânia, o atleticano emputecido contra o atleticano razoável, nem por isso menos doido, diga-se, é apenas uma disputa entre os que tomaram o sossega-leão e aqueles que esqueceram o remedinho. Polarização entre iguais: lavajatistas contra bolsonaristas, moristas contra golpistas, escadistas contra ascensoristas, todos, ora pois, com o mesmo objetivo de galgar os degraus até o topo.
Em nosso caso, o atleticano emputecido foi amplamente derrotado. Como nesta rara oportunidade me encontro inscrito nas fileiras da razão (devo ter tomado o Gardenal), estou desimpedido para conclamar: liberdade irrestrita aos Cornetas na Veia! Deixa que digam, que pensem, que falem, deixa isso pra lá! Deixemos em paz o atleticano puto, a única instituição que ainda funciona! “Discordo do que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo”, afirmou Winston Churchill, no Facebook, referindo-se ao atleticano corneteiro.
Salve, Jorge! Sua cabeça estará a salvo, eu garanto. Uma vitória hoje sobre o Goiás, e eis o remedinho do atleticano. Além da receita prescrita pelo Bozo original (não a cópia de Brasília): “Sempre rir, pra viver é melhor é melhor sempre rir”. Nesse caso, duas doses de Crüzëirö por semana resolve. (Que coisa, senhores, a gente torcia pra cair, mas não precisava morrer. Como bem disse o Perrella, tempos idos, sobre uma crise no Galo: “Se acabar, vamos rir de quem?”)