Hulk, Nacho, Everson, Alonso, Alan Franco, Savarino, Vargas, Sasha – sinto informá-los, mas vocês foram enganados. Contratados para jogar com Jorge Sampaoli, estão agora submetidos ao Cucabol, à revolucionária roda de ciranda nos treinamentos e ao inquestionável rachão. Não é esse, contudo, o engano do qual foram vítimas. O buraco é mais embaixo, e nesse ponto talvez se possa falar em estelionato, artigo 171 descrito no Código Penal: em sua compreensível inocência, julgam ter sido contratados por um clube de futebol. Mas, amigos, aqui se trata, em verdade, de uma seita – a Igreja Universal do Reino do Galo. Sugiro, a essa altura do campeonato, que se deixem catequizar.
Embora este bardo que registra a história semana a semana (um ordenhador de pedras, a bem da verdade), longe de mim tecer as encíclicas que nos regem. Ainda assim, vou tentar explicar a vocês, forasteiros, de que cepa viemos – como se diz por essas terras, doncovim, oncotô, proncovô, quencossô.
Reparem que “somos” – sempre no plural. Conforme nossa Marselhesa, “Nós somos do Clube Atlético Mineiro, jogamos com muita raça e amor, vibramos com alegria nas vitórias”, e por aí vai, sempre junto e misturado. Quando em desespero, rogamos que “vamo, Galo, pelamordedeus”. Muito diferente do apartheid corintiano, por exemplo, sempre a separar o time e seus fiéis: “Vai, Corinthians”. Aqui somos um corpo só, Frankenstein onde batem 8 milhões de corações. Respeita nóis.
Reza o dogma da IURG que um corpo estranho deve se amalgamar ao todo, nessa simbiose daquilo que se chama “atleticanidade” (confundirei mais adiante, já que impossível explicar). Por isso, aqui se entra funcionário e se sai torcedor. Quanto menos se espera, um mercenário está a chorar de amores pela camisa do Atlético. Não se sabe bem qual é o gatilho para tal transformação. Para Ronaldinho Gaúcho, foi a bandeira de dona Miguelina: “Quando eu vi aquilo, pensei: ‘eu vou com eles até o final’”.
Não temos exatam
ente um Jim Jones, um Osho, ou um Cristo redivivo a quem seguir em comunhão. No máximo, temos gente com acesso ao homem lá em cima, o sósia de Karl Marx. São Victor é este PABX – “gerente de futebol” é só um nome de fachada. Cuca também é capaz de algum tráfico de influência, mas a depender sempre dos humores de Nossa Senhora, sua despachante. Sem esse messias, pois é a “atleticanidade” que nos une neste monstro plural e imbatível, composto, como bem disse Kalil, da massa de um pão: “Quanto mais bate, mais cresce”.
ente um Jim Jones, um Osho, ou um Cristo redivivo a quem seguir em comunhão. No máximo, temos gente com acesso ao homem lá em cima, o sósia de Karl Marx. São Victor é este PABX – “gerente de futebol” é só um nome de fachada. Cuca também é capaz de algum tráfico de influência, mas a depender sempre dos humores de Nossa Senhora, sua despachante. Sem esse messias, pois é a “atleticanidade” que nos une neste monstro plural e imbatível, composto, como bem disse Kalil, da massa de um pão: “Quanto mais bate, mais cresce”.
A “atleticanidade” é algo único, patente nossa e intransferível. Você não verá uma “flamenguicidade”, pois inexistente, assim como a “cruzeiridade”. Mas o Houaiss ainda há de grafar a “atleticanidade”, embora “aquilo que não se explica”. E não se explica porque um estranho sentimento bipolar de amor e ódio, onde o amor sempre vence – e o ódio, mesmo sendo ódio, acaba inevitavelmente por gerar ainda mais amor, num invejável círculo virtuoso. Algo pertencente ao ramo do futebol, mas que dele está muito, muito além. A Dragões da FAO é que tinha razão: “Filosofia máxima de um povo”. A “atleticanidade”, sempre grandiloquente, é a chave da salvação do mundo (ao fim e ao cabo, o que o mundo precisa é de mais Atlético Mineiro).
A “atleticanidade”, meus caros forasteiros, não brotou do asfalto. Ela nasce da utopia de um grupo de jovens brancos e ricos que fundaram um clube apenas duas décadas depois do fim da escravidão e chamou negros e pobres a serem seus protagonistas, as listras pretas e brancas em pé de igualdade. Ubaldo, Dadá, Reinaldo, Ronaldo. Na ditadura, o Rei ergueu o punho cerrado nas barbas do general, Pantera Negra a inspirar o doutor Sócrates e a Democracia. O Atlético não é um time, é o sonho de um mundo melhor. E embora pareça a vocês que hoje ele tenha dono, é e sempre será do povo, que no fundo festeja a si mesmo, porque carrega nos ombros uma história pela qual sempre valerá a pena lutar. “Nós não somos um time de taça”, disse Kalil depois de levantar a taça. “Nós somos um time de honra.” Bingo!
É por isso, em nome da nossa honra, que apresento a vocês a nossa história. Não sei se me fiz entender. Não queremos uma vitória no clássico. Não queremos ganhar um campeonato. Antes e sobretudo, queremos que a camisa lhes caia como a armadura do soldado na guerra justa pelo amor. Somos um time de honra, e pedimos que nos respeitem. Saudações atleticanas, e Galo sempre!