Em 1974, a Seleção da Holanda promoveu uma grande revolução na maneira de jogar o futebol. A Laranja Mecânica, de Rinus Michels, cuja principal estrela era Johan Cruijff, desenvolvera uma tática até então inédita em que nenhum de seus jogadores guardava posição fixa. A essa bagunça organizada um jornalista esportivo do Brasil deu o nome de Carrossel Holandês.
Não temos Cruijff, mas temos Hyoran. Aliás, o nome do último é uma homenagem ao primeiro, pena que na época do registro não havia Google, de modo que pai e escrivão meteram lá um ipsilone e foda-se. Não treinamos um carrossel, afinal, distante das nossas tradições. Preferimos a roda de ciranda, efetiva sobretudo para ganhar ritmo de jongo. No início, assim que assisti a um vídeo do treino na Cidade do Galo, tomei por arcaico o exercício de girar em círculo, enquanto ninguém solta a mão de ninguém. Tive saudades de Sampaoli, aquele que amava o Hyoran.
Mas o fato, senhores, é que o Galo encaixou. Enquanto todos se dão as mãos, ofereço a minha à palmatória: a ciranda é o nosso carrossel melhorado, porque coisa nossa, como a praia, a cachaça e o queijo com goiabada. Chico Science é que foi premonitório: “Na areia onde o mar chegou, a ciranda acabou de começar, e ela é, é praieira! Segura bem forte a mão, e é praieira! Vou lembrando a revolução, vou lembrando a revolução”.
Uma cerveja antes do almoço é muito bom pra ficar pensando melhor: não apenas a ciranda fez o Galo botar na roda o Cerro Porteño. O rachão, tão criticado por sua suposta inutilidade, recupera nossa alma peladeira, aquela mesma que formou toda uma escola de craques mundiais, de Garrincha a Romário, de Pelé a Ronaldinho.
Na Bahia diz-se “baba”, ao sul, “pelada”. O Brasil desnudo em seu improviso constante pedala sobre a bola, ginga, vai pra um lado e, no movimento de um elástico, conduz a bola para o outro, tudo sempre a soar um tanto inócuo, afinal, o caminho mais lógico para o gol é uma linha reta. Como país, esse conjunto de movimentos nos levou a esse lamentável estado de coisas em que normalmente nos achamos. Mas, no futebol, ganhamos cinco Copas do Mundo sambando com a bola nos pés – os ingleses, com sua objetividade reta, ganharam uma. E nevermore.
Curioso que a malemolência brasileira se insinue com mais propriedade no venezuelano Savarino. E que o paraibano Hulk seja o nosso Putin, gélido e forte. O esquema, batizado por Mário Marra, chama-se SavaHulk. Houve o Carrossel Holandês. Haverá a Ciranda do Galo. E nada mais direi sobre o acesso privilegiado de Cuca a Nossa Senhora – vai ver, também funciona.
Sampaoli não deu certo no Galo porque não cumprimentava o jardineiro, não deixava o Éder ver o treino. Eliminá-lo por isso, a princípio, me pareceu uma bizarrice. Assim como a ciranda e o rachão, estou a reconsiderar meus conceitos ultrapassados (o que um 4 a 0 não faz com as convicções do atleticano): aqui se cumprimenta SIM, e de acordo com o DDD da cidade — se 31, três beijinhos, 21, dois, 11, apenas um. Aqui se aperta, se toca, se abraça, e por isso é ainda mais lamentável a pandemia. O treineiro amigão é um patrimônio do Brasil! Viva o Felipão, viva o Joel Santana e o Cuca! E se tirar o Éder do treino, manda embora por justa causa.
Assim vamos: afinando a nossa ciranda, hoje, contra o Tombense. Queria o Lisca Doido na final, apesar de que fazer dançar o arquifreguês também seria interessante. Depois, tem o América de Cali, fora, para garantir a vaga nas oitavas. Não sei, mas sinto no ar uma lufada de esperança. Deve ser por causa do Renan Calheiros. Êh, Brasilzão peladeiro, esse baba eterno. Em todo caso, EU ACREDITO!