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Estado de Minas DA ARQUIBANCADA

Que o Galo seja campeão, porque o povão tá precisando vencer uma

Se o Atlético for campeão mineiro sobre o América, será a vitória da inclusão, da resiliência, santo remédio para nossas agruras


22/05/2021 04:00 - atualizado 22/05/2021 08:20

A Massa atleticana, em que todos se misturam, sonha com mais um título para nossa bela galeria de troféus(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press %u2013 10/11/19)
A Massa atleticana, em que todos se misturam, sonha com mais um título para nossa bela galeria de troféus (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press %u2013 10/11/19)

Se o Galo for campeão hoje, acordaremos em um mundo melhor no domingo de manhã. Se o Galo é amor, o amor terá vencido, enfim, mesmo com tanto ódio. O Galo campeão é a vitória da nossa utopia desde 1908 – a vitória da inclusão, da resiliência, da luta, do lado certo da história, sempre. O Galo campeão é um santo remédio para agruras diversas – pandemia, desemprego, fome. Não há mal que a GaloVac não cure. O Galo precisa ser campeão.

Se o Galo for campeão hoje, ficam automaticamente cancelados os latrocínios, os estupros, os linchamentos, os homicídios, sobretudo os crimes passionais. Guerras, disputas, vendetas, chacinas, queimas de arquivo – estão suspensas.

Se o Galo for campeão, está decretado o estado permanente de esperança e alegria (não haverá mais dúvidas: por baixo da máscara, estaremos todos sorrindo. Ou quase todos).

O ladrão que eventualmente roubar, por absoluta falta de opção, será cuidadoso e honesto. O assaltante, eventual, se desculpará com a vítima e devolverá seus documentos com educação e cordialidade, levando apenas cartões e dinheiro.

Se o Galo for campeão, o povão terá vencido uma, pelo menos uma que seja, nessa terra arrasada. O povão é a vítima preferencial da COVID, do governo e do Congresso.

O povão só se lasca – menos hoje, “se Deus quiser”. Se o Galo for campeão, não há luta de classes que resista, implodem-se a casa-grande e a senzala, de repentemente somos todos iguais, o gari, o médico, o miserável e o Rubens Menin. Mas isso é só por hoje, e se o Galo for campeão.

Se o Galo for campeão, mais e mais fiéis serão convertidos à Igreja Universal do Reino do Galo. Serão cooptados os evangélicos, os católicos, os macumbeiros, os satanistas, o pessoal do Inri Cristo, os ateus. Ainda que o todo o mundo seja atleticano – o desembargador, o presidente da federação, o dono da rádio e da televisão, o prefeito –, ainda faltará o Samuel Rosa. Tudo ao seu tempo.

Venha, amigo, junte-se ao lado preto e branco da Força, se o Galo for campeão. Vai, realize o sonho de uma vida: ao quebrar um copo no chão, estufe o peito, e deixe que sua alma se manifeste em seu grito mais gutural – Gaaaaaaaaaaaalooo! Libertas quae sera tamen. Vai enquanto é tempo: a Libertadores será nossa também. E se você não vier, virão todas as crianças, você sabe, tá tudo dominado. Se o Galo for campeão.

Se o Galo for campeão, vamos chorar os nossos quase meio milhão de mortos de um jeito diferente. Quantos deles eram atleticanos? Quantos foram enterrados como o meu tio Alberto, de camisa, calção e meião, o traje completo para a viagem final?

Na hora do gol do título, se ele vier, quantos de nós não pensaremos nos nossos, e de alguma forma não estaremos, naquela hora, juntos, como sempre, na arquibancada da vida?

Nunca é só futebol, como diz o outro, jamais será apenas Atlético – se o Galo for campeão, o gol do título terá a mãozinha do meu primo Juninho, la mano de Diós. Ele e o tio Geraldo celebrarão juntos a sorte de terem sido Galo. E estarão prontos pra puxar a perna de algum Tanque Ferreyra quando chegar a hora.

Se o Galo for campeão, vou lembrar a primeira vez que entrei no Mineirão, com 6 anos, pra ganhar de quatro do América. Aquele mar de gente, aquela imensidão de concreto e grama. A cada gol, meu tio Carlos Alberto me arremessava por sobre as cabeças do pu’pagante (salve, Tião das Rendas!). De modo que me apavorei e, secretamente, torcia para que aquilo parasse. O problema era o Reinaldo.

Em 2016, contra o mesmo América, saí do Mineirão (que já não era o mesmo) com meu filho pequeno inconsolável, o mundo tinha acabado e a culpa era do Danilo, aquele perna-de-pau.

Único paulista da família, coitado, o Francisco nunca tinha chorado por causa do Atlético – secretamente, sua dor me encheu de satisfação, afinal era a prova de que alguma coisa eu havia feito de correto (faria errado horas depois, ao chutar a roda do carro e quebrar meu pé, um ótimo exemplo de equilíbrio emocional – equilíbrio este que me obrigou a três meses de muleta, maldito Danilo).

Espero que agora a gente possa chorar juntos, hoje, de um jeito diferente. Se o Galo for campeão. Que assim seja, amém.



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