Jornal Estado de Minas

DA ARQUIBANCADA

Onde a pátria de chuteiras encontra a pátria de Havaianas

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Novamente, eu me encontro em posição estratégica. Como patriota que sou (e nem me refiro à pátria de chuteiras), desloquei-me à costa do Brasil tão logo se avolumaram os rumores sobre a invasão chinesa – primeiro nos entorpecendo com sua “vachina”, depois, sabe-se lá o que vem. Por isso, tratei logo de sentar praça no Boteco do Pará, em Caraíva, na Bahia, onde passo tardes intermináveis disfarçado de turista – chinelo de dedo, camiseta regata e caipirinha.


Na varanda do “melhor bar do mundo” tremula o pavilhão do Clube Atlético Mineiro. Sinto-me pronto para a guerra.

Acordo todas as manhãs e, com a desculpa de levar os cachorros para uma caminhada, patrulho a praia em busca de submarinos chineses. Concentro-me também a observar o horizonte longínquo na linha do mar: nunca se sabe se esses chinas não estão escalando a falésia que se encontra na quina da Terra plana, debruçada sobre o Cosmos.

 Se vierem pelo mar, terão de prestar contas a Fidel Castro, o meu pastor alemão – cujo nome é resultado de anos de lavagem cerebral desde a balbúrdia na faculdade até a maconha das redações de jornal, passando pelos blocos de carnaval e a ligação com o satanismo através do meu gosto por Black Sabbath.

Por aqui sou conhecido como o Fred Atleticano. Há dois anos colaborei para a criação do Galo Caraíva, o 81º Consulado do Galo. Não é algo que esteja em consonância com a realidade, porque um consulado pressupõe localizar-se em terra estrangeira, e por essas plagas o atleticano está absolutamente em casa.


Aqui não tem Bahia nem Vitória, a disputa se dá entre Atlético e Flamengo. Por isso eu sou o Fred Atleticano: são tantos os atleticanos que é preciso distingui-los pelo primeiro nome. É um disfarce perfeito, porque verdadeiro e honesto: visto a camisa a listrada e saio por aí.

É como se tivesse chegado ao prédio dos meus pais, em BH, e encontrado o zelador José Luiz, com quem cultivei uma grande amizade de décadas sem jamais ter tido qualquer outra conversa senão “Tudo bem, e o Galo? Tudo bem, pois é, e o Galo?”.

Em Caraíva é igual. Caminho pelas vielas de areia, enquanto os atleticanos vão brotando no caminho como camelos no deserto.

Quando o Galo perde, como foi na estreia do Brasileiro (o Fortaleza é o novo Botafogo, que em outros tempos foi o novo Goiás, que por sua vez foi o novo Criciúma), tranco-me em casa saindo apenas para a patrulha matutina.


Quando o Galo ganha, como no jogo de quarta-feira contra o Remo, flaino sobre as areias, o peito estufado não como um simples galo, mas quase um chester em véspera de Natal.

Para que não desconfiem das minhas verdadeiras intenções, capricho na caipirinha, sob a desculpa de que o Galo me devolveu a alegria de viver. E haja caipirinha pra tanto atleticano feliz!

Enquanto não se dá o enfrentamento final com os comunistas chineses e sua guerra bacteriológica, por aqui nos preparamos para o embate com os flamenguistas: nossa bandeira jamais será vermelha e preta!

Outro dia mesmo, durante o serviço da patrulha, aproveitei para lançar ao mar uma oferenda à Iemanjá. Foquei o horizonte da Terra plana e pedi a revanche com o Flamengo na final da Libertadores (1981 é a minha obsessão).

Alguns metros adiante recebi um sinal positivo ao pisar inadvertidamente num cocô que se misturara ao desenrolar da marolinha: era Iemanjá mandando o Flamengo pra gente. Que assim seja! Axé!

Antes da China e do Flamengo, no entanto, outros desafios se impõem na defesa de ambas as pátrias, a de chuteira e a de Havaianas. A pátria de chuteiras terá de superar o Boca pelas oitavas da Libertadores e terá de bater o Sport do guerreiro Patric. Já a pátria de Havaianas deve manter dois pés atrás com a médica Luana Araújo: trata-se de uma cruzeirense e, portanto, sem qualquer crédito na praça.