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Estado de Minas DA ARQUIBANCADA

O Galo campeão é a esperança de um mundo melhor

Em 1908, a despeito de todo o preconceito, um grupo de estudantes da elite branca da cidade fundaram um time em que o preto e o branco eram igualmente aceitos


06/11/2021 04:00 - atualizado 06/11/2021 11:40

Time e torcida: O atleticano como o conhecemos hoje nasceu dessa resistência pacífica mas contundente e insuperável. Na luta, criamos a mística de uma atleticanidade
Time e torcida: O atleticano como o conhecemos hoje nasceu dessa resistência pacífica mas contundente e insuperável. Na luta, criamos a mística de uma atleticanidade (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A. Press)
Na próxima quinta-feira, dia 11, estreia nos cinemas o documentário “LUTAR, LUTAR, LUTAR”. Durante 7 anos, este escriba esteve envolvido na produção e roteirização do filme que conta a história do Galo, de 1908 a 2014, com direção dos craques Sérgio Borges e Helvécio Marins Júnior.

Nesse período, fizemos quase uma centena de entrevistas, pesquisamos e reunimos uma montanha de imagens históricas, redescobrimos sambas e marchinhas monumentais. Sobretudo, nos deparamos com a história de uma utopia. O Galo, meu amigo, não é um time de futebol – é a esperança de um mundo melhor.

Imagine você: fazia apenas 20 anos que a Lei Áurea pusera fim (pusera mesmo?) à escravidão. Mas em 1908, a despeito de todo o preconceito, um grupo de estudantes da elite branca da cidade fundaram um time em que o preto e o branco eram igualmente aceitos, como que representados pelas listras iguais de sua camisa.

Ao contrário do que viria a ser depois o clube dos italianos, ou diferentemente daquele em que só podia o rico, o Atlético era o time de todos. O time da cidade, a costurar o tecido social de uma Belo Horizonte que acabara de nascer.

Imagine o quão machistas não eram aqueles tempos (as mulheres só ganhariam direito ao voto nas eleições de 1933, desde que tivessem “reconhecida idoneidade moral”). Mas se não fosse uma certa dona Alice Neves, é possível que o Galo não tivesse existido. Foi ela, simbolicamente, a nossa primeira presidenta.

Em 1929, o Atlético fundou a primeira torcida organizada que se tem notícia – a torcida feminina do Galo. De certa forma, como eu disse lá em cima, o Galo nasceu e se fez na utopia de um mundo melhor e mais justo. Uma utopia pela qual sempre se vale a pena lutar.

Mais tarde tivemos Reinaldo, um ídolo trágico, um Maradona dentro de campo, um Sócrates na luta em defesa da democracia. Uma figura humana extraordinária. Em plena ditadura, o Atlético foi transformado em inimigo e combatido com todas as armas que estivessem à mão dos militares – que controlavam também a CBD, sigla que viraria CBF a partir de 1979. E dá-lhe José Roberto Wright, e dá-lhe José de Assis Aragão.

O atleticano como o conhecemos hoje foi forjado nesse sentimento de injustiça, ao qual se acresce os mais improváveis azares, o que não deixa de ser, também, uma forma de injustiça – ainda que, vamos dizer, uma injustiça de Deus.

“Seja injusto com qualquer agrupamento humano”, diz este escriba numa passagem do nosso doc, “e ele se tornará forte, e vai achar forças pra vir pra cima”. O atleticano como o conhecemos hoje nasceu dessa resistência pacífica mas contundente e insuperável. Na luta, criamos a mística de uma atleticanidade que prescindia de títulos. Bastava a camisa pendurada no varal durante a tempestade – nossa armadura.

Cinquenta anos se passaram desde o título de 1971. E me parece uma incrível e feliz coincidência ver “LUTAR, LUTAR, LUTAR” chegar ao público justamente na hora em que estamos tão perto de vencer – “vencer, vencer, vencer”. De certa forma, o filme é um fecho dos anos de luta, mesmo que venham outras e novas e duras batalhas (e virão, porque atrás de morro vem morro, como diz o nosso Bolivar). Valeu a pena, Galo! Vamos ser campeões!

Amanhã, eu e minha companheira, Fabi, vamos cumprir a promessa feita durante a doença dela: agradeceríamos, indo a um jogo do Galo, a cada atleticano que foi solidário com a gente. E como esse povo é solidário! Sem exagero, essa gente me salvou quando sentei na sala de espera do hospital vendo apitar milhares de mensagens de apoio e até o tilintar do dinheiro que faltava pingando na minha conta. Esse povo não existe.

O câncer, a pandemia, as cirurgias. Eu, ela e Francisco no Mineirão lotado – parecia uma miragem no deserto. Mas a gente é um povo de luta, atravessamos esse Saara, e cá estamos. Lutamos, lutamos, lutamos. Não apenas estaremos em “um jogo do Galo”. Vencemos, vencemos, vencemos. Valeu a pena, Galo! Vamos ser campeões! E o Galo campeão, você sabe, é a esperança de um mundo melhor.


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