(none) || (none)

Continue lendo os seus conteúdos favoritos.

Assine o Estado de Minas.

price

Estado de Minas

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Utilizamos tecnologia e segurança do Google para fazer a assinatura.

Assine agora o Estado de Minas por R$ 9,90/mês. ASSINE AGORA >>

Publicidade

Estado de Minas DA ARQUIBANCADA

Carnaval antecipado, lágrimas e sábado eterno se o Galo for campeão

Atlético está perto do título do Brasileiro e já podemos fazer conjecturas sobre como festejar, caso venha o caneco


20/11/2021 04:00 - atualizado 20/11/2021 10:28

A torcida atleticana em estado de festa: se o Brasileirão for confirmado, um presente mais do que merecido à Massa
A torcida atleticana em estado de festa: se o Brasileirão for confirmado, um presente mais do que merecido à Massa (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A. Press)


O Galo pode ser campeão já na terça-feira, contra o Palmeiras. Mas não o será, pois o Superior Tribunal da Justiça Divina, o verdadeiro STJD, já reservou para um domingo o jogo do título. Merecemos, embora tanto faça a terça ou o domingo, já que em nenhuma das circunstâncias haverá amanhã.

Se o Galo for campeão, este dia será sábado, e o dia seguinte também. Quiçá a semana inteira, o mês, o ano – o maior sábado do resto de nossas vidas. Se o Galo for campeão, estará oficialmente aberto o carnaval de 2022. Ninguém mais trabalha, ninguém volta pra casa, ninguém é de ninguém.

“João bebeu toda a cachaça da cidade”, cantou Erasmo Carlos a respeito de um folião desgovernado no carnaval do Rio de Janeiro. “Bateu com força em todo bumbo que ele via. Gastou seu bolso, mas sambou desesperado. Comeu confete, serpentina e a fantasia.” Mais ou menos por aí: se o Galo for campeão, seremos todos João! E seja o que Deus quiser.

Se o Galo for campeão, lembra o meu filho, terei de cumprir a promessa de dar a volta no quarteirão pelado. Quando prometi esse desfile grotesco, morava numa quadra deserta em um bairro estranho de São Paulo. Passaria por egresso de algum manicômio, se algum improvável vizinho avistasse nu meu chassi de louva-a-Deus. Hoje resido numa vila de 1.000 habitantes, conheço todas as pessoas e o “quarteirão” inclui 300 metros de praia, com seus bares botando turista pelo ladrão. Preparem-se para o este soft porn! “Tu vens, tu vens, eu já escuto os teus sinais...”

Se o Galo for campeão, me comprometi também a caminhar de Belo Horizonte a Curvelo, onde nos aguarda a sinfonia dos mil galos – a provar, como disse o poeta, que um galo sozinho não tece uma manhã, ele precisa de outros galos. Essa fora promessa para a Libertadores, mas não criarei ressalvas ou objeções. Jamais farei como o Telê, que ao tomar um táxi no caminho para Congonhas do Campo, em 1971, fez com que o supracitado STJD nos condenasse a 50 anos sem o Brasileirão.

Se o Galo for campeão, faremos tatuagens do Atlético. Na fila para que eu assinasse meu livro do Galo, em 2013, um senhor de 90 anos ergueu uma das mangas da camisa. Em seu bíceps despelancado pelo tempo surgiu a taça da Libertadores, enorme, do cotovelo até o ombro. Parecia desenhada por Salvador Dalí, já que escorria por entre as rugas daquele velho Galo doido. Na quarta tattoo do Atlético, minha mãe não se aguentou: “Você está ficando estampado”. É vero, dona Vera, mas a culpa é da sua família, que me fez atleticano, não tenho nada com isso.

Se o Galo for campeão, choraremos meio século de lágrimas, lembraremos os mortos que não estão vendo, pensaremos no Reinaldo, no Cerezo e no Éder, no Marques em 99, no Ronaldinho em 2012. Beijaremos nossos filhos como quem beija os pais, porque planejamos ver com estes o que estamos a ver com aqueles, o tempo voa, a vida é um sopro – mas ela vai parar se o Galo for campeão.

Se o Galo for campeão, convulsionaremos nas arquibancadas como fiéis endemoniados diante das vassouras ungidas da Universal. Cantaremos a nossa Marselhesa até o enfarto iminente, que haverá de acontecer no ápice do “lutar, lutar, lutar” – se fosse apenas “lutar, lutar”, talvez sobrevivêssemos.

Rodaremos nossas camisas como um exército de Janaínas Paschoais nas Arcadas da escola de Direito onde ela certamente cabulava suas aulas. Beijaremos desconhecidos sem máscaras na pandemia, enviaremos perdigotos à humanidade quando dos nossos gritos de Galo. Diremos a plenos e esfumaçados pulmões aquilo que só agora eu me ligo ser a gente falando pra gente mesmo: “Chora, não vou ligar, chegou a hora, vou festejar o teu sofrer, o teu penar”. Beth Carvalho, Cássia Eller, Vander Lee – presentes!

Se o Galo for campeão, vai chegar a hora em que vamos parar e admirar o estádio em sessão de descarrego, afinal, torcemos pra nossa torcida. O corpo irá se aquietar, e então nos perguntaremos, sem que ninguém nos ouça: “Era só isso?”. Um enorme vazio tomará conta de nossas almas quando acordarmos no dia seguinte e não houver mais um Brasileirão a perseguir. Pois saiba separar este sentimento da ressaca avassaladora, afinal, mergulhamos em ofurôs de Itaipava morna, gim-tônicas de metanol, caipirinhas de álcool em gel. Junte os cacos e prepare-se: este é o primeiro dia do resto de nossas vidas. E agora, João?


*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)