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Estado de Minas DA ARQUIBANCADA

Nosso Galo virou uma fabulosa máquina de fazer homem chorar

Pessoas me escrevem para comentar sobre o filme do Galo, "LUTAR, LUTAR, LUTAR". Revelam que se acabaram de chorar


27/11/2021 04:00

A imensa torcida do Atlético conta os dias para poder festejar o título do Brasileiro: a taça perto como nunca esteve
A imensa torcida do Atlético conta os dias para poder festejar o título do Brasileiro: a taça perto como nunca esteve (foto: LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS - 7/11/21)

Outro dia, em conversa com o nosso Fael, ele me disse estar sofrendo de um problema de incontinência que aparece acometer de forma geral toda a atleticanada: a incontinência do choro. Estamos todos sensíveis. Basta olhar um filhote de panda e já suamos pelos olhos, como dizem os machões. Não por ser um panda – mas porque nasceu preto e branco, como se naturalmente vestido de Atlético. Meu cachorro Fantasma teve essa sorte.

Pessoas me escrevem nos últimos dias para comentar sobre o filme do Galo, “LUTAR, LUTAR, LUTAR”, em cartaz nos cinemas. Entre outros pormenores, revelam que se acabaram de chorar. “Do começo ao fim”, parece, é o momento em que se sentem mais emocionados. Um senhor que não conheço me deixou um áudio, aos prantos. Esqueceu de mencionar o filme, apenas chorava e balbuciava coisas. Tratei de me certificar se precisava de ajuda ou se apenas estava saindo do cinema. “É o Atlético”, ele respondeu, “é o Atlético”.

O Atlético é uma máquina de fazer homem chorar. Homem no sentido de homo sapiens, talquei? Porque também nunca vi tanta mina verter o tal suor como nesses dias e pelo mesmo motivo: “É o Atlético”. A essa altura do campeonato, a máquina está em seu melhor ponto de azeitamento. Um botãozinho que se aperta, e pronto – tamo nóis lá botando tudo pra fora, 50 anos de espera por esse pranto de alegria que sabiamente já vem vindo em conta-gotas. Ou teríamos, no tobogã da Contorno, uma furiosa tromba-d’água.

Por que choras, atleticano? Porque, na evolução natural da atleticanidade, há um fenômeno comum a quase todos nós que sofremos dessa patologia: com o passar da idade, a gente deixa de chorar nas derrotas e, sem se dar conta, começa a chorar apenas nas vitórias.

Quando esse mecanismo começa a funcionar em estado de arte, não há eliminação em Mundial capaz de arrancar-lhe nem a lágrima de crocodilo. Mas deixa vir uma foto da arquibancada na hora do gol, uma Beth Carvalho tocando sem querer no rádio do carro, e até o anúncio oficial daquela contratação. Pronto: está armada a tempestade perfeita que jorrará dos olhos do atleticano, uma vítima da máquina que faz chorar.

Na minha busca compulsiva e doentia por encontrar sentidos ocultos nessas coisas de Atlético, comecei a achar que o mecanismo de chorar apenas nas vitórias é uma lição de vida das mais bonitas e valiosas. O Galo é amor, e agora a gente não chora mais pelas dores desse amor, mas por sua beleza. Quem assim chora por amor está salvo. O mundo, meu amigo, o que ele precisa é de mais Atlético Mineiro.

“Galo, você é minha mãe” – eis a faixa que aparece no filme do Galo, enorme, descendo da arquibancada superior do Mineirão no dia em que perdemos invictos o Brasileirão de 1977. Eu achava essa faixa apenas engraçada. Mas agora que estamos tão sensíveis ela me parece profunda e perfeita em seus muitos sentidos: o Galo é o colinho aconchegante da mamãe, o abrigo, o útero seguro e protegido, a resposta ao doncovin e as pistas do proncovô. Mãe é pra chorar de alegria. “Galo, você é minha mãe” é a melhor faixa do mundo e tinha de voltar às arquibancadas.

Por que choras, atleticano? Sei lá! Poderíamos dizer que choramos pelos que se foram sem ver o Galo campeão. Que choramos pelos 50 anos, tantas injustiças, tantos azares. Que choramos por Reinaldo, Éder, Cerezo, Paulo Isidoro, Marques, Guilherme. Cada um certamente tem seu motivo particular para chorar agora que o cume da montanha se aproxima – e, nóis, como um Robert De Niro em “A Missão”, escalamos aquilo aos trancos e barrancos, do jeito que deu. Mas chegaremos. Ah, chegaremos.

Particularmente, eu acho que eu choro pela passagem do tempo. Por motivos meus, vivo o presente e me treinei pra isso. Mas ganhar o Brasileiro é como a hora da morte: passa um filme na sua cabeça. Impossível não lembrar o velho Mineirão no intervalo da final de 1999, quando ganhávamos de 3 a 0 e fui sozinho trazer oito chopes usando minhas patas de um caranguejo – e durante anos, quando pensava naquela pergunta do Questionário Proust sobre qual é o seu “ideal de felicidade” me vinha à mente aqueles 15 minutos de intervalo em que fomos um pouco campeões.

Meu boné ainda existe. “Um abraço, Cerezo”.


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