Depois de longo e tenebroso inverno, também conhecido por verão, este ordenhador de pedras está de volta à labuta operária. Palavras são tijolos, assentam-se umas sobre as outras, erguem-se parágrafos como se levantam paredes. E lá se vão quase 11 anos em que este peão de obra está a fazer o edifício, infinito como no conto do Murilo Rubião. Ao fim e ao cabo (se houver fim e houver cabo), farei como fiz nas férias em Caraíva: erguerei um mastro, e assim como tremula a bandeira de São Paulo sobre o prédio do Banespa, tremulará o outro pavilhão preto e branco – aquele que importa.
Pois bem, o longo interregno entre o inacreditável ano de 21 e este alvissareiro 22 ofereceu insuspeitadas surpresas, a terminar com o empacotamento de Olavo de Carvalho. Sem querer misturar futebol com política, mas já misturando, celebrei como um título – não é todo dia que a COVID colhe, vamos dizer, um Hitler. O guru antivax malvadão atingido em cheio pela pandemia que julgava inexistente. O roteirista do Brasil tá ficando óbvio demais, vou cancelar essa série.
Roteirista bom é o roteirista do Galo. Acabou o ano, todo mundo de férias e lá vem ele com a bomba: Cuca saiu. Não acreditei. “Cuca Beludo???”, questionei meu filho, o portador da notícia em primeira mão. Cuca pra mim é doido. Ele e o Olavo de Carvalho. A diferença é que o primeiro é inofensivo, apenas um Napoleão de hospício. E como bom Napoleão, ótimo de estratégia. Mas doido.
Pessoas próximas me contam sobre uma visita ao sítio do Cuca no Paraná. Enquanto circulavam pela propriedade, parentes do Cuca se esquivavam por entre as árvores, olhavam desconfiados, escondiam-se atrás das paredes. São todos doidos, ao que parece. O Cuca apenas finge um pouco melhor, mas é notável, ainda assim, um parafuso a menos.
Como Olavo, foi tarde, já que não devia ter vindo – não sem antes falar com honestidade sobre o estupro coletivo no qual se envolveu em seu imprescritível passado, desculpar-se, arrepender-se de verdade, ajudar de alguma forma na luta das mulheres contra a violência sexual. O Cuca me confunde: gosto dele mas não gosto, sou fã e o odeio, que volte um dia e não volte nunca mais. Cuca não é o maior técnico da história do Galo, cujo maior técnico de sua história é o Cuca. Cuca é, isso sim, um Cuca Beludo.
Então, adentramos 22 e foi-se o Junior Alonso. Aí, não. Aí, foi foda. Sofri. Fui beber sozinho. “Garçom, aqui nessa mesa de bar, você já cansou de escutar centenas de casos de amor”, comecei minha ladainha. “Garçom, no bar, todo mundo é igual, meu caso é mais um, é banal, mas preste atenção, por favor.”
Alonso era um caso de amor. Fazia aquele tipo cowboy americano, de gestos econômicos, sorriso inexistente, rápido no gatilho e duro na queda. Alonso a seriedade em pessoa, o genro que mamãe sonha. A classe de Luisinho, a segurança de Olivera, a liderança de Réver, a estrela de Leonardo Silva – que homem! Isso tudo envolto na aura do guerreiro paraguaio, índio comedor de jesuíta, Black Label do Paraguai, veias abertas da América Latina. Se Belchior jogasse bola, seria o Alonso. Mujica, Che Guevara, Brizola, Simon Bolívar – somos todos Alonso!
Vão-se os anéis, ficam os dedos, sobretudo os médios, erguidos, altivos: por que venderam o Alonso, porra? Veio, então, o Godín, já com esse nome de mineiro gordo, simpatizei com ele. Até que vestisse a camisa do Galo, a informação era de que Godín tava no finzin da carreira. Agora que vestiu o manto, tô achando ele jovem, esguio, já nem percebo sua pouca telha. Impressionante como uma camisa pode transformar a pessoa da água pro vinho, veja o poder da moda.
Foi-se também, durante as férias, Diego Costa. Fanfarrão. Segundo fontes seguras, doido também. Sua passagem relâmpago merece menos tijolo na arquitetura desta coluna do que a saída de seu parente da família Costas, o Fábio. Quem diria que o Crüzëirö daria as costas dessa maneira a Fábio de Costas, hein? Não se pode andar pelo Barro Preto sem um retrovisor acoplado nos ombros, ou vem alguém e lhe tasca uma facada. Só tem Adélio Bispo naquelas plagas, gente ruim.
Foi-se a alface e chegou o tomate. Veio também o Turco Mohamed. Entendi nada, jamais tinha ouvido falar de sua pessoa, Turco pra mim era o Kalil, e Mohamed todas as pessoas que conheci no Marrocos por ocasião do Mundial de 2013. Ocorre que o Turco perdeu o filho num acidente de trânsito e cumpriu a promessa de levar o time de seu menino a um título inédito. Pronto, me afeiçoei completamente. Que o Turco se junte ao Kalil e também a Said, do Trio Maldito que meteu o 9 a 2 eterno, na seleta galeria dos Mohamed que fizeram história no Galão.
Bem, feitas essas conjecturas, que venha 22! Com o Galo bicampeão da Libertadores, tri do Brasileiro e da Copa do Brasil, campeão mineiro e mundial, da Supercopa e da porra toda. A única eliminação que aceitamos é a do Bolsonaro, em outubro de preferência. Aí, sim, adeus ano velho, feliz ano ano!
audima