Encontro-me neste momento envolto em caixas de papelão, pilhas e pilhas de livros, peças e mais peças avulsas e desconexas de uma vida aventurosa e acumuladora. Ainda que eu fosse um bicho de sete cabeças, não se justificaria a profusão de bonés, assim como as fôrmas de bolo, os pneus de bicicleta e os múltiplos cacarecos, da miniatura do Ronaldinho Gaúcho aos vinte e tantos galos que me acompanham; afinal, um galo sozinho não tece a manhã.
Por meses a fio, minhas tralhas todas estiveram em um guarda-móveis, uma mina de ouro nos tempos pandêmicos em que o povo – não exatamente o povo – fugiu para as montanhas. Fui me acostumando a viver com apenas uma mochila de mão e uma mala pequena. Nos últimos tempos, torci para que o guarda-móveis pegasse fogo. Como não foi o caso, cá estou operando minha mudança, entre ácaros e a minha velha coleção da revista Realidade.
O Galo também está de mudança, mas como eu sou pobre e o Galo é rico, fiz tudo aos trancos e barrancos, sem qualquer garantia de que estarei melhor alocado depois desse perrengue todo. A começar pelo carreto firmado com o Chicão, da van, não exatamente uma Granero. A seguir pelas caixas de Cruzeiro, quer dizer, caixas de segunda que insistem em se desmanchar ao peso da boa literatura mundial à espera de que se pendurem as estantes.
O Galo não. O Galo é que tem a manha, além do farto capilé. Muda rápido, porém, suave, muda tudo e a gente nem vê. Aliás, eu me pergunto mesmo é: pra que mudou, se em time que está ganhando não se mexe?. A resposta está em Lampedusa, no clássico romance italiano Il Gatopardo: “Tudo deve mudar para que tudo fique como está”.
A bem da verdade, nem deu tempo de perguntar por que estaria tudo mudando se queríamos apenas o mais do mesmo. De repente, vieram o Turco, o Fábio Gomes, o Otávio, que nunca vi mais gordos, cego que sou para os assuntos extra Galo. Vitor Mendes e Guilherme Castilho já haviam sido apresentados, embora não guardara os nomes em minha enfumaçada memória. Ademir, sim, jogara no segundo maior de Minas. Godín, ao que parece, não é o Gordinho em mineirês. Enfim, chegou uma renca de gente, saiu outra renca, inclusive nos bastidores do clube. Tudo mudou, com um único objetivo, espero: ficar onde estávamos, a saber, no topo.
Quando se muda, redescobrem-se itens perdidos para sempre em algum fundo de gaveta. E nos perguntamos como pudemos viver por tanto tempo sem aquela indispensável companhia. Um Kafka desmilinguido, a minha caixa de faixas do Galo campeão desde 1976, as três fitas k7 com entrevistas com o Toni Tornado que um produtor de cinema vivia a me aporrinhar para que as encontrasse sãs e salvas.
No caso do Galo, carregou-se na mudança o velho Dylan Borrero, que, a exemplo do Caixa, passarei a chamar de Bob Dylan. Até outro dia, era um menino no qual não se botava muita fé. Mas, como disse o seu homônimo, quantas estradas um homem precisará andar até que possam chamá-lo de homem? A resposta, meu amigo, está soprando ao vento: Dylan is the man. Como pudemos viver tanto tempo sem a sua arte?
Calebe é outro. Tivesse caído do caminhão de mudança, talvez não tivéssemos dado por sua falta. Mas, aportado em seu destino, é agora tão importante quanto a minha vitrola, resgatada com vida entre os escombros. Ambos jogam por música, e são promessa líquida e certa de noites memoráveis. Godín, Calebe, Otávio e Fábio Gomes. Zeca Pagodinho, Bob Dylan, Caetano e Ratos de Porão.
Vamo que vamo, que amanhã tem matinê no salão de festas. Mudar é preciso! E o futebol, assim como a vida, é uma caixinha de cerveja.