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Estado de Minas DA ARQUIBANCADA

O Galo é uma rara centelha de esperança que jamais se apaga

Nas melhores ou nas piores fases, o Atlético é a nossa morada afetiva e não abrimos mão de sempre cantar por ele


05/03/2022 04:00 - atualizado 05/03/2022 07:37

Atlético campeão mineiro de 1995
Quadro do Atlético campeão mineiro de 1995, período em que resistimos bravamente a todas as intempéries (foto: ARQUIVO EM/D.A PRESS)


Quando eu era pequeno, ali pela segunda infância, não compreendia a rivalidade entre Atlético e Cruzeiro. Eu tinha me dado por gente em 1980, e o arquifreguês então já se reconfigurava como tal, depois de um raro interregno em que cantara de galo em nosso terreiro – apenas um voo de galinha. Em 80, o Crüzëirö, com sinais de trema, era uma espécie de sparring para o melhor Atlético de todos os tempos, o de Reinaldo, Éder, Cerezo e Luizinho.

Nessa época, como viria a confirmar mais tarde o Samuel Rosa, todo mundo já era atleticano. Eu morava na Rua do Ouro, e por aquelas jazidas era mais fácil achar uma pepita do precioso metal do que um torcedor do Cruzeiro. Um dia, porém, correu entre a meninada a alvissareira notícia: havia se mudado para a esquina da Rua Bambuí uma verdadeira arara azul – um menino cruzeirense! Com espanto, esquivávamos por detrás das pilastras, de modo a melhor observar aquela espécie em extinção. Não demorou a arara virar Galo, prova de que Darwin estava com a razão.

Veio a adolescência e os anos 90, a vida adulta e a proliferação dos boletos. O mundo virou de cabeça pra baixo, e agora era o Cruzeiro que tava por cima, quem diria? O São Caetano que deu certo! Brotavam cruzeirenses, como se nascidos todos da proveta de Zezé Perrella, pois é de conhecimento científico que pais atleticanos são desprovidos do cromossomo que produz esse pessoal. Passamos a lidar com uma cidade agora estranhamente dividida: apenas 80% Galo, 15% Cruzeiro, 5% América, segundo o DataFred.

Os anos 90 são didáticos como lição de vida. Há situações em que ficamos por cima da carne seca. Logo adiante, caímos do cavalo. Atravessamos os 80 sem ganhar o Brasileiro, roubados, azarados, as estatísticas em litígio com a gente. Agora não havia mais Reinaldo e, se não devíamos as cuecas, já tínhamos penhorado as taças, as calças e tudo o mais. Ainda assim, nos apinhávamos no velho Mineirão, naquela sofrência que rima amor e dor, aquele sentimento de amor sincero ao alvinegro.

O coração carcomido, no entanto, pulsava. E como pulsava! Estávamos sempre a postos para celebrar a centelha da nossa esperança. O Mineirão dos anos 90 era o melhor lugar do mundo para estar. Sem exagero: o que era uma taça do rival perto do gol de Dinho, o perna de pau? Pois Dinho avançou pela lateral, trôpego, imiscuiu-se pela meia-cancha, driblou todo aquele poderoso Cruzeiro e cometeu o gol da vitória, um gol de placa narrado assim por um elegante Willy Gonzer, a nos dizer sobre o outro lado da ruindade: “Dinho, o homem-coração! Dinho, todo generosa luta!”. Éramos todos Dinho. Éramos todos generosa luta.

Nos anos 2000 não apenas havíamos caído do cavalo: éramos o seu cocô e o cavalo era o cavalo do bandido. Tenho pra mim que o momento de retorno à arquifreguesia, e à normalidade das coisas, dá-se em 2007, quando do gol de Vanderlei que daria nome e sobrenome a Fábio de Costas. Sem o retrovisor, equipamento de segurança, Fábio estaria a inaugurar a era em que o Crüzëirö deu as costas para o futuro, culminando hoje com o invejável passado que tem pela frente.

Sim, tiveram os títulos de 13 e 14, espasmos agonizantes da morte que viria em seguida, respostas suicidas ao campeão da Libertadores. Ainda assim, desde o gol de Vanderlei que se desceu ladeira abaixo, ao passo em que fomos galgando os degraus acima. Como bem dizia o meu amigo Daniel, depois de mais um Mineiro na sala de troféus: “Tudo normal nas Minas Gerais”.

A vida, amigo, é ciclo e merecimento. O ideal é que se esteja sobre o cavalo, sem esquecer do seu cocô. Que se celebre Hulk, Dinho e Vanderlei. Que a gente não se esqueça nunca daquilo que a gente é: todo generosa luta. Vamo Galo, pelamordedeus!


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