Jornal Estado de Minas

Da Arquibancada

O Corneta Na Veia é a serpente no ovo: de repente ele choca

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As redes sociais vão acabar com o mundo, e desse apocalipse já estou convencido. O ódio que viceja das suas entranhas envenenará todos, todas e todes. Nelas, até um padre Júlio Lancellotti, nossa Madre Teresa de Calcutá, é capaz de se ver malhado como um Judas.



Imagina se Jesus tivesse conta no Twitter e pregasse contra os vendilhões do Templo, a favor de putas e ladrões. “Comunista!”, rezaria nos comentários o perfil de Silas Malafaia. “Se tivesse armado não tinha sido crucificado!”, apontaria Carluxo. “Vamos ouvir o outro lado dessa história com o nosso querido Judas Iscariotes”, anunciaria a Leda Nagle em seu canal do Youtube. “Judas ou Jesus? Uma escolha muito difícil”, segundo editorial do Estadão a viralizar nas redes. A foto de Daniel Silveira com a cruz partida ao meio pavimentaria sua eleição ao Senado Federal. “Infelizmente”, constataria a Damares, “o que eu vi na goiabeira foi o demônio encarnado”.

Desde que o Elon Musk anunciou a compra do Twitter, penso cá com os meus algoritmos se não é boa hora para afastar-se das redes. No entanto, como uma tartaruga marinha, mais e mais eu me enrosco na tarrafa. Meus dedinhos nervosos são entidades autônomas sempre prontas a espezinhar o Sérgio Moro, o Aras, o Lyra, o Augusto Nunes e as cabeças de gado de modo geral. Espero as orientações da Anitta sobre como resolver essa patologia.

Esta semana, as redes decidiram pegar para Cristo o Turco Mohamed. Apanhou igual o padre Júlio, coitado, igual a ONU falando verdades. O Corneta Na Veia é como a serpente no ovo: de repente ele choca. A gente julga morto mas, estando vivo, sempre aparece. Bastaram dois empatezin meio safado, e um outro, heróico, pro Turco sentir-se a batata na parrilha. Vê se pode uma coisa dessa? 850 jogos de invencibilidade em casa, invicto na Libertadores desde 1908, mais título do que derrota, e o sujeito vem tocar a porra da corneta? Fogo nos corneta, meu caro Djonga!

Não sou a Anitta, mas vou me permitir um direcionamento ao corneteiro atleticano lotado nas redes: vai beijar na boca, meu filho, vai beber no bar, vai pular carnaval, vai ler um livro, vai tomar um banho de cachoeira, vai viajar com o seu cachorro, sai desse celular, vai comer o tropeiro do seu Osvaldo lá no Calafate. Ao persistirem os sintomas, um médico deverá ser consultado.



O corneteiro é um poço de amargura. O som de seu instrumento é um grito de socorro: “Ei, eu estou aqui, não me deixem só”. Ao encontrar ressonância em outros corneteiros – e as redes são o emaranhado perfeito pra esse congraçamento –, o corneteiro original sente-se afagado, acarinhado, partícipe de uma coletividade que lhe foi negada ao longo da vida porque ninguém aguenta gente chata. Agora ele é membro efetivo, sócio-sofredor dos Cornetas na Veia, o Rotary Club dos corvos e dos cornos (não por acaso, corneteiros).

Longe de mim ser o sommelier da arquibancada, cada um que torça como quiser, que se dane. Mas permita-me apontar o corneteiro das redes para que seja identificado quando aparecer em carne e osso.

O Corneta na Veia é aquele que se incomoda com o pessoal que fica em pé na frente dele no estádio: “Eu paguei o ingresso, tenho o direito de assistir ao jogo!”. A bandeira do Galo pode despertar-lhe a ira. Experimente erguê-la na arquibancada e sentirá todo o preconceito contra o filho do vidraceiro: “Abaixa essa merda, eu vim pra ver o jogo!”. O Corneta na Veia celebra o gol como se tivesse jogado desde a base no time adversário: sua expressão é contrita, seus gestos, econômicos. O gol lhe ofende, não é mais que obrigação. A felicidade o constrange. Só estufa a veia do pescoço na hora sagrada da vaia, quando o Rotary Club encontra seu máximo denominador comum.

Fico imaginando esse pessoal no esquenta para o jogo de logo mais: organizaram um churrasco de asinha de frango, cada um levou sua Fanta. Todo mundo apertou o 17. 13 é Galo, que merda. O Turco é a bola da vez. Sai o bonde, cada um pra sua casa: vai manter a tradição, vai meu bloco tristeza e pé no chão.