Saber perder é uma arte que se desenvolve cotidianamente, no exercício sacal e humilhante da vida. Começa quando a gente nasce: o que se segue é apenas o envelhecimento das células e a decrepitude dos tecidos. Graças ao WhatsApp da família brasileira, sabe-se agora que nem a sabedoria dos velhos resiste a essa harmonização facial às avessas, esse peeling ao contrário.
Ladeira abaixo, vamos calculando os pit stops, sempre com o objetivo de melhorar: compramos um Marea, abrimos um bar, adquirimos imóveis na planta, apostamos em pirâmides, investimos numa bicicleta ergométrica, elegemos o Bolsonaro. Aprender a perder é um curso aberto no qual se está automaticamente inscrito assim que se bomba no Enem – é universal, gratuito, e tem cota pra todo mundo.
Até outro dia, o atleticano estava dispensado de cursar o ensino básico, fundamental e médio de tal disciplina – pulava logo ao doutorado, pois sua condição de hors-concours o impedia de competir com os demais.
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O tri do Mineiro, o bi da Libertadores e o tetra do BrasileirãoQue volte o Galo em modo chester: bico cheio de dente e espírito do carcaráCorneta na Veia, aqui me tens de regresso! Ajuda aí, meu Galo!!Givanildo Paraíba, a gente te ama pra sempre!Pois o ano de 21 ensinou o atleticano a ganhar. Como nunca antes na história deste país. Ganhamos o Brasileiro depois de 50 anos, e levamos nossos mortos ao estádio, aqueles que não viram. Vencemos a Copa do Brasil com os pés nas costas e o coraçãozinho do Hulk nas mãos (a nossa revolução pacífica, sob o comando de Hulkinho Paz e Amor). Então, caminhamos em procissão à sede de Lourdes, nossa Meca, arrastando os corpos como zumbis saídos do Bonfim. Ganhar tanto é um teste de resistência, um check-up de fígado e uma apneia nas profundezas turvas do cheque especial. Sobrevivemos.
Veio 22, e... Embora já se acumulem dois títulos, perdemos. E a impressão que se tem é de uma dupla derrota: perdemos o jogo e a capacidade de saber perder. “Ainda bem”, dirão os novos consumidores do futebol, para os quais só a vitória consagra, só ela interessa – a derrota é um defeito de fabricação, uma sacanagem passível de queixa no Reclame Aqui, algo que não foi contratado e por isso eu vou chamar o Procon. Houvesse um SAC, o Serviço de Atendimento ao Corneta, teríamos o engarrafamento de chamadas. Cairia o sistema, o técnico, o presidente e os mecenas.
É justa a reclamação geral contra o juiz no jogo de quarta-feira. Foi pênalti, mas parece ter colado a mentira repetida mil vezes de que o Galo foi favorecido por penalidades fajutas – pronto, eis a urna inauditável do ludopédio nacional. Até aí, tudo bem, que cada um exerça o direito ao esculacho da arbitragem brasileira, canalhas, ladrões, CBF corrupta, Globolixo, malfeitores do Eixo, Wright fazendo escola. Se houve a VAR-Palmares, hoje tem o VAR-Palmeiras e o VARmengo, só não vê quem não quer.
Agora, daí a pedir a cabeça do Turco vai uma distância grande, aquela que dará condição ao Hulk quando o VAR operar a gente outra vez. Pelo amor de Deus, o cara acabou de chegar, tem mais títulos do que derrotas, sejamos justos e merecedores de tudo o que virá depois de removidas as montanhas. A soberba é prima-irmã da vaidade, e sabemos onde isso dá: quem anda cheio dela acaba por soltar foguetes em disputa de pênalti com a Série C. Deus, existindo, que ilumine e guarde.
O poeta equivocou-se com a história de que distraídos venceremos. Distraídos, no máximo, empataremos – e o empate tem sido aquele Miojo com sachê de camarão com alho, o sabor da derrota. Falta concentração, mas também a paciência para que o Turco opere sua principal mudança, que é fazer do Nacho 22 o Zaracho de 21 – estratégia até aqui exitosa. Nacho joga muito.
O atleticano acostumou-se a ganhar porque aprendeu a perder, é o bartender que melhor faz do limão uma limonada. “Quem gosta de título é cartório”, dizíamos quando das vacas magras na comparação com o pasto do vizinho. Não é bem assim. Mas era verdade esse bilete.