Jornal Estado de Minas

DA ARQUIBANCADA

Contra o Flamengo, grileiro dos nossos sonhos, a guerra

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Esta foi uma daquelas semanas, nem tão raras assim, em que se tem a sensação de que o futebol deveria parar. O país inteiro deveria parar. A comprovação dos assassinatos do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira quebrou nossas pernas. "Dois heróis brasileiros", descreveu Beto Marubo, liderança indígena da Univaja.



Lutavam, ambos, a guerra em favor da natureza, das futuras gerações e dos povos originários, que melhor sabem protegê-las. Somam-se a Chico Mendes, Dorothy Stang, José Cláudio Ribeiro, Maria do Espírito Santo, Maxciel Pereira. E morremos todos juntos dessa doença chamada Brasil.

É, ao que parece, uma doença sem cura. Contra ela, a política não se mostra remédio eficiente. Tampouco a sociedade civil está à altura dos desafios do país, eleitora que foi de um entusiasta da tortura, um "cristão" que lidera as intenções de votos entre os evangélicos mas cujo Cristo, segundo disse a Besta, andaria armado caso existisse em seu tempo as armas de fogo.

Eu conhecia Jesus amado, Jesus armado foi a primeira vez. Que poço sem fundo.

Dom Phillips esteve no Mineirão na final da Libertadores de 2013, e publicou o relato em um blog da Folha de S.Paulo no qual emprestava seu olhar estrangeiro para temas do Brasil.



Viu um atleticano "fechando os olhos, esticando os braços e caindo de joelhos, como se em oração". Encantou-se com torcedores que "cantavam o seu hino, o que era cativante, e de fato inspirador: 'I believe!', ou 'Eu Acredito!'".

Na hora dos pênaltis, pessoas "atrás do gol recitavam o Pai Nosso", anotou ele. "A tensão, o barulho, a ansiedade a essa altura mal eram toleráveis. Para os torcedores e jogadores do Atlético, deve ter sido insuportável." Foi um sonho, Dom.

E é sempre um pesadelo. Por isso, Dom, dependemos tanto desse ópio do povo, desse Rivotril litrão. Rezamos mesmo, em oração, e agradecemos a sorte de ser Galo.

Pesquisas dizem que o brasileiro não liga tanto assim para o futebol. Não posso falar pelos brasileiros. Mas para nós, atleticanos, o Galo é o que nos aquece a alma entre uma e outra barbaridade que se apresenta, um duplo assassinato dos nossos heróis, uma chacina da polícia, uma pandemia tratada com placebos e tentativas de se superfaturar a compra de vacinas. Enquanto gente morria sem oxigênio na mesma Amazônia onde tiraram sua vida e a de Bruno. "E daí?"

Amanhã estaremos em campo, no mesmo Mineirão, para mais um Atlético e Flamengo, embora um Atlético e Flamengo nunca seja apenas "mais um".



Para além dos três pontos em um jogo de bola, esta é a peleja de Deus contra o Diabo, do bem contra o mal, do certo contra o errado, de Reinaldo contra Wright e Aragão. Uma trégua ao Turco, porque agora é guerra.

Em 2013, Dom viu e ouviu "um bombardeio estridente de aplausos, xingamentos e assobios, o som de sonhos prestes a serem realizados ou esmagados".

O Flamengo é o Brasil, também no tamanho de sua torcida mas sobretudo na simbologia de sua história – cujo maior título nasce de um roubo descarado diante de um Galo que tinha Reinaldo, inimigo da ditadura em vigor.

O Flamengo é o grileiro dos nossos sonhos, o garimpeiro ilegal a assaltar a terra e seu povo - e por isso é importante vencê-los nesse momento em que fomos todos tão brutalmente violentados.   

Descansem em paz, Dom e Bruno. Desculpem por nós, brasileiros, que fracassamos mais uma vez, de novo e de novo.