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Estado de Minas DA ARQUIBANCADA

Uma chance para o acerto de contas do Galo com o Flamengo

Na verdade, estamos a encher-lhes o raio do saco em quantidade jamais vista, o que contribui para isso uma freguesia de cliente especial


09/07/2022 04:00

Em um dos jogos mais polêmicos da história do futebol brasileiro, em 1981, entre Atlético e Flamengo, no Serra Dourada, em Goiânia, pela Libertadores, José Roberto Wright aplica cartão amarelo em Toninho Cerezo. Árbitro expulsou cinco jogadores do Galo, em jogo que nunca acabou
Em um dos jogos mais polêmicos da história do futebol brasileiro, em 1981, entre Atlético e Flamengo, no Serra Dourada, em Goiânia, pela Libertadores, José Roberto Wright aplica cartão amarelo em Toninho Cerezo. Árbitro expulsou cinco jogadores do Galo, em jogo que nunca acabou (foto: Jorge Gontijo/EM/D.A Press - 21/8/1981m jogo que nunca acabou)

Pense no seguinte: você tem dois encontros marcados para os próximos dias. Amanhã, estará frente a frente com o sujeito que entrou na sua casa, roubou o cofre e o dinheiro embaixo do colchão. Você ficou à míngua, e teve de começar tudo de novo.

Quarta-feira tem mais: você encara agora o miliciano que, pouco depois, bateu-lhe a carteira, confiscou sua poupança e apropriou-se das economias de uma vida inteira. Você ficou à míngua, e teve de começar tudo de novo.

É exatamente o nosso caso quando temos em sequência dois encontros marcados, com São Paulo e Flamengo. O primeiro roubou o Galo em 1978, quando se deu a decisão de 77. A indecente manobra de bastidor produziu um vice-campeão invicto e com dez pontos a mais que o campeão – uma enorme jabuticaba na qual chafurdaram alegremente os desavergonhados são-paulinos da época.

O segundo roubou o Galo em 80 e voltou à cena do crime em 81. Verdade que aquele era um time de sonho. As laterais tinham Leandro e Júnior, o meio tinha Zico e Adílio, a dianteira contava com Nunes. Mas o negócio era mesmo os homens-surpresa que tanto podiam atuar pelo lado do campo, segurando a bandeirinha, como flutuar em setores diversos, vestidos de preto ou amarelo. No Flamengo de todos os tempos, pode-se discutir qualquer um – menos Zico, Wright e Aragão.

Flamenguistas se incomodam com o fato de o atleticano jamais esquecer a História. Na verdade, estamos a encher-lhes o raio do saco em quantidade jamais vista, o que contribui para isso uma freguesia de cliente especial, com programa de fidelidade e milhas para dar a volta ao mundo. Saia vestido de Atlético pelo Rio de Janeiro e verá como se rasga um brioco com a unha, ainda que esta seja inexistente, devorada que foi na nervosia da última derrota. E já não há dedo o suficiente para a contabilidade do desastre.

Atleticanos nascidos com o fiofó virado pra lua, ou seja, aqueles que acabaram de chegar e já sentaram na janelinha, campeões de quase tudo na última década, fazem coro com os inimigos: “Chega desse trem, essa vitimização, esse pensamento derrotista!”.

Ah, vai cagar, sô! Deixem nós, os velhinhos, com nossas memórias esfumaçadas e nossas patologias incuráveis! Deixa a gente desejar o que quiser pro Wright e o Aragão, qual o problema? Eu mesmo “matei” José de Assis de Aragão em texto recente, quando o vi “revirar na tumba” diante de mais uma vitória do Galão. Foi um amigo quem se incumbiu do balde de água fria: “Fred, ele está vivo”.

Na manhã da última sexta-feira, este escriba concedeu entrevista a um professor universitário norte-americano que escolheu o Atlético como objeto de seu estudo sobre a “raça” (gana, denodo etc.) – conceito que, assim como a “saudade”, inexiste na língua inglesa. Lá pelas tantas, ele disse ter visto no filme “Lutar, Lutar, Lutar” uma cena em que este jovem senhor está entre o delírio e o infarto iminente na virada do Galo sobre o Flamengo nas semifinais da Copa do Brasil de 2014. Ele me perguntou se aquilo era amor.

No, David, aquilo era uma catarse e uma confusão mental composta por elementos de grande complexidade que formam o ser humano ao longo da vida. Aquilo não era futebol. Era eu diante do batedor de carteira, do estelionatário que me roubou os sonhos e a esperança, a crença em Deus e a confiança na justiça dos homens. E eu tinha apenas 10 anos. Era eu, ali, reavendo os meus pertences de uma vida, embora nada seja capaz de restituir as perdas daquele crime prescrito.

Atlético e Flamengo, assim como Atlético e São Paulo, estarão sempre envoltos nessa dor de alma – mas serão, sempre, uma chance para o nosso acerto de contas.

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