Jornal Estado de Minas

DA ARQUIBANCADA

Ah, tempos idos, sejam bem-vindos!

Conteúdo para Assinantes

Continue lendo o conteúdo para assinantes do Estado de Minas Digital no seu computador e smartphone.

Estado de Minas Digital

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Utilizamos tecnologia e segurança do Google para fazer a assinatura.

Experimente 15 dias grátis



Outro dia, mencionei aqui a impressão de que voltamos no tempo. Não fosse o espelho, implacável ao revelar todo dia novas mechas de barba, cabelo e bigode brancos, estaria certo de que tal regressão está mesmo em curso.



Ando escutando o velho punk rock. Cólera, Olho Seco, Garotos Podres, Lixomania, Ratos de Porão, Psykoze, Fogo Cruzado, Replicantes, Condutores de Cadáveres, Restos de Nada. Certifico-me de não haver ninguém por testemunha, e exerço o libertador direito ao pogo, a dança de últimos moicanos como eu.

As letras, acessíveis apenas para ouvidos treinados no tiro, porrada e bomba, falam de guerra e fascismo, miséria e fome. Infelizmente, parecem ter sido conservadas em formol, mas com aspecto ainda mais atual do que o coração inchado de Dom Pedro I, o imperador escravista e, portanto, sem coração.

Na quinta-feira passada, tava o Lula pedindo voto no “Jornal Nacional”, que déjà vu. À imagem deste escriba, avolumam-se os cabelos brancos do Willian Bonner, a ponto de claramente estar se transmutando em Cid Moreira. Aquela voz rouca, aquela língua presa de sindicalista da CUT, aquelas metáforas de futebol. Desembarcávamos sem dúvida em 1989, eu tinha acabado de gravar uma fita do Ten Years After. Traidor do movimento, eu e o João Gordo.



O voto é secreto, mas a cápsula do tempo, confesso, fez as lágrimas escorrerem em minha face. (Pude ouvir ao fundo o Vilibaldo Alves narrando as semanas finais da campanha presidencial como quem narra o finalzinho de Atlético e Botafogo em 1971: “Quareeeeeeenta e cinco minutos! As lágrimas escorrem em minha face” e por aí vai.)

Até que Lulão da Massa lembrou de outra polarização, a do nós contra eles, PT e PSDB.

Eita, pensei comigo, essa é a prova de que estamos morando dentro de “Dark”, a série: como petralhas, passamos uma vida perseguindo o 45, FHC, Serra, Aécio e tal. Como atleticanos, cá estamos nós de novo – perseguindo o 45. Sim, não adianta tapar o sol com as queimadas amazônicas: como outrora, em tempos que achávamos idos, mas que de repente são vindos, o negócio é perseguir os 45 pontos e exorcizar o fantasma do rebaixamento. Tá desse jeito.

Certamente, têm razão aqueles que me apontarão o dedo e me acusarão de derrotista, geração de fracassados que só reclama do Wright e do Aragão. Não tenho como negar esta verdade: a cada quarta-feira sentado no sofá vendo Palmeiras e Flamengo, mais me assemelho ao Bolsonaro diante da performance de seus concorrentes no “Jornal Nacional”: a corcunda se arqueia, o peito, antes de um chester, afunda-se em si mesmo, a revelar o chassi de frango. A pele do rosto se derrete, escorre a gosma da derrota.



Assim como no caso do Bozo, a esperança do atleticano reside no cada vez mais improvável segundo turno. Ele, Bozo, previu a virada em junho, depois julho, depois agosto, agora setembro. Igualzinho a gente. Ele o Bozo, nós os palhaços.

Cansados, pois, da palhaçada, integrantes da Galoucura foram cobrar providências.

Lembrei-me de uma época em que a minha produção para o jornal no qual trabalhava não estava lá essas coisas. Ao chegar à redação, leitores cercaram meu carro: “E aí, mano, vai ficar de corpo mole nessa porra? A gente sempre leu seus artigos, caralho, se não tá satisfeito mete o pé. Escreve por amor ou escreve por terror”.

Apavorado, sentei na minha mesa e saí escrevendo pelos cotovelos. Na semana seguinte, meus furos tinham derrubado um presidente e no final ganhei o Prêmio Pulitzer. Funciona. Um amigo engenheiro, tendo passado por situação semelhante, começou a construir com tamanha volúpia e determinação que o edifício em que trabalhava rompeu as nuvens e alcançou a estratosfera. É verdade esse bilete.

Ah, tempos idos, sejam bem-vindos! Até porque, estamos a viver também no feliz ano velho em que a gente ganhava sempre do América. De modo que amanhã tem! Agora é perseguir o 45. É nóis contra eles. Reinaldo acima de tudo, Galo acima de todos!