Tamo lascado. Não tem mais Galo, acabou a cachaça, sumiram com a receita do Rivotril Litrão. E agora, José? O jeito vai ser nos embriagarmos de Copa do Mundo, assistir a tudo, Irã, Marrocos, País de Gales, varar as madrugadas em busca de mais uma mesa-redonda, almoçar e jantar Copa do Mundo, fazer amor pensando na tabela. Ainda assim, seremos torturados pelo vício em Atlético: vai ficar esse vazio existencial, essa síndrome de abstinência. “Galo é Galo”, cantava-se na arquibancada no final dos anos 70, “o resto é bosta”.
E por falar em bosta, é necessário fazer um balanço de 2022. Esse não foi um ano de Galo que terminou em novembro – terminou foi em 20 de fevereiro, com a conquista da Supercopa contra o Flamengo, o 8 a 7 eterno na disputa da marca da cal. Era pra ter sido o prefácio das melhores páginas das nossas vidas. Infelizmente, era o posfácio mesmo. E tais páginas, bem, limpamos o bumbum com elas. Foi uma merda.
A escolha de Turco Mohamed foi definidora para o desastre. O típico caso do sujeito errado, no lugar errado, na hora errada. Um time campeão, repleto de estrelas, necessita de alguém com punho o suficiente para lhe dar fome outra vez. Alguém com sangue nos zóio. Turco, no entanto, parecia um urso-panda. O máximo que inspirava era o ímpeto de deitá-lo no colo para uma sessão de cafuné. Nunca vi um técnico de futebol tão bonzinho. Quer dizer, há dúvidas se era um técnico de futebol.
Turco desarticulou completamente o time. Em menos de cinco meses, 2021 já parecia uma miragem no passado longínquo. Reforços chegaram sem condições de jogo e, à exceção de Jemerson, apenas contribuíram com o desastre. Ademir é um impostor – não pode ser a mesma pessoa que jogava no América. Junior Alonso também mandou um sósia em seu lugar. De resto, todo mundo num banzo danado. Zaracho sumiu. Nacho parece o Renan Oliveira. Mariano é bolsonarista. Só se salvou o Everson.
Aí me chega o Cuca. De novo, o Atlético se presta a colocar no pedestal de ídolo – e portanto um exemplo à sociedade – um condenado por estupro que nunca se arrependeu do que fez e nunca pagou de fato por seu crime, pois fugiu. O acaso tratou de botar ordem nas coisas: sua passagem foi horrorosa, seus números, piores do que o de Turco Mohamed, seu time, uma completa desorganização. O Cuca que voltou ao Galo também foi um impostor. Cuca Beludo, parente do general Bejamin Arrola.
Esse estado de coisas foi contemplado a distância pela direção do clube, mais preocupados que estavam com as eleições para o governo do estado e a destruição de seu adversário político, Alexandre Kalil. Mesmo com Zema reeleito, seguem trabalhando no projeto de apagamento da memória da família Kalil – que ofereceu ao Galo dois dos maiores presidentes de sua história. Trata-se de um crime de lesa-pátria.
Miramos 23 a partir de uma perspectiva radicalmente diferente daquela que tínhamos ao final do ano passado. Não apenas o time precisa ser repensado. Há uma dívida estratosférica, um shopping cuja venda não fez sequer cócegas na amortização do problema, um estádio que, ao fim e ao cabo, vai custar mais de R$ 1 bilhão e teve receitas antecipadas. A política do clube volta a estar conturbada como em anos tenebrosos.
A salvação da pátria é uma SAF a se realizar em mau momento, porque na atualidade só corre a abraçar este modelo quem tem o pires na mão. Um amigo experimentado e entendido dos meandros do futebol alerta para outro aspecto: clubes que recorreram a SAFs ou tipos semelhantes no mundo inteiro passaram a times de meio de tabela. “São empresas. Não visam a taças, visam ao lucro.”
Tomara que esse estado de desalento seja apenas a falta do Rivotril Litrão.
A coluna de Fred Melo Paiva volta a ser publicada semanalmente no sábado, 7/1/23