Jornal Estado de Minas

DA ARQUIBANCADA

Chegou o carregamento de ópio do povo!

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Já posso ver e ouvir, no horizonte – no mais belo horizonte –, o pipoco dos fogos de artifício a anunciar a chegada do carregamento: habemus ópio do povo! Pronto, liberaram a receita do Rivotril Litrão. Mergulhemo-nos todos no ofurô dessa nossa cachaça, sem a qual vivemos tristes etrôpegos, bêbados a trupicar na realidade dura da vida.



Como o patriota do caminhão, e de resto todos os velhos e velhas corocas nas micaretas dos quartéis, precisamos do nosso metaverso, da nossa realidade paralela. Mais um mês sem Atlético, e faríamos como as bestas de Brasília: invadiríamos a sede de Lourdes, quebraríamos todas as vidraças, roubaríamos as taças, esfaquearíamos os quadros das nossas conquistas. Coitado do Di Cavalcanti perto da foto da nossa Libertadores, no minuto seguinte ao triunfo do impossível, o pênalti chutado na trave,os 42 anos de uma vida inteira esperando Godot.

Senhoras e senhores, vai começar tudo outra vez! O interminável ciclo da vida: Mineiro, Libertadores, Copa do Brasil, Brasileirão. Eu sei exatamente onde eu estava quando viramos o jogo e fomos pentacampeões em 1982 – eu tinha 10 anos. Eu sei o tamanho das lágrimas que chorei quando,aos 41, vencemos em 2013. Eu sei de mim quando caímos pra segunda divisão e a torcida cantou o hino, a nossa Marselhesa. Os mais jovens choram nas derrotas. Os sábios, apenas nas vitórias. Eu não chorei porque o Galo caiu – eu chorei porque ficamos e cantamos.

Eu sei da minha catarse, sessão de descarrego na Igreja Universal do Reino do Galo, quando fizemos 4 a 1 no Flamengo e, dias depois, fomos campeões em 2014. Chorei todas as injustiças do mundo, como se ali se resolvesse a nossa pornográfica desigualdade, as nossas dores diversas de um país escroto, a maldade dos homens e ausência de Deus.



A Copa do Mundo é o calendário da vida, e de quatro em quatro anos fechamos e abrimos o ciclo das coisas. Mas é na várzea do Galão da Massa que se contam as horas e os minutos da nossa existência. A vida é o que se transcorreu entre 1971 e 2021, 50 anos esperando Godot. 50 anos num piscar de olhos. Quanto merecimento, quanta gente não viu! Mas estavam todos lá, no dia em que os mortos foram ao Mineirão. Pode vir a demência, o Alzheimer, você vai esquecer o nome do seu filho – mas pra sempre lembrará da beleza que foi o Reinaldo chorando na arquibancada, finalmente campeão.

Agora o Galo voltou. Não é o futebol que voltou. É o Galo. Vou encontrar o Dedé e o Nabor, vou falar com o Daniel, com o Francisco, com o Gropen, com o Reinaldo, minha família no metaverso. O Galo é um amálgama do amor, uma jaula onde voluntariamente nos recolhemos entre irmãos deuma vida inteira, tudo culpa do Galo.

Como casais apaixonados, faremos planos, a Irmandade da Uva de John Fante: iremos à final da Libertadores, vamos viajar pra ver o Mundial. Vou andar de avião, coisa que, como um bípede pensante, evito a todo custo. Choraremos juntos, todos sábios, todos campeões. Fui, vi e venci, diremosvida afora. Vivi.



Por fim adentramos o ano mágico de 2023, aquele que superou o ódio, o ano do amor. Vamos mudar de casa. Já posso ouvir o pipoco dos fogos de artifício quando o Atlético pisar pela primeira vez no Terreirão do Galo, também conhecido, embora menos, por Arena MRV. Se você não chorar, amigo, seu coração é de pedra.

Não sei o que me provoca espasmos mais viscerais, só de imaginar. Se deixar pra trás o velho Mineirão, onde pisei pela primeira vez aos 6 anos e perdi a respiração diante da imensidão de tudo e da beleza de tanta gente junta; ou se ouvir a Massa pela primeira vez no novo Terreirão, a famosa Galoucura, a charanga, a faixa da Dragões da FAO. Como a Portela estreando sua quadra em Madureira, a Mangueira em Mangueira, Ramones no CBGB.

É provável que o Galo esteja a atravessar a pior crise financeira e de gestão em toda a sua história. Ganhamos 21 e quebramos o clube. Só bolsonarista no comando, só gente sem coração. Como cantou o Tom Zé sobre o Edifício Itália, em São Paulo: o que bate em seu peito é máquina de somar. No caso do Galo, somam-se apenas as dívidas.

Um dia, impressionado com a campanha que faz essa gente para destruir a reputação e a memória da família Kalil, escrevi para o Alexandre: “Eles vão acabar com o Galo”. Ele me respondeu: “Não se acaba com o que é infinito”. Te amo pra sempre, meu Galo querido. Então volta pra mim!