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Estado de Minas DA ARQUIBANCADA

O Galo deveria ser tombado como patrimônio da humanidade

Êh, Galo velho de guerra, Rivotril Litrão armazenado em tonel de carvalho há 115 anos. Te amo, desgraça!


25/03/2023 04:00 - atualizado 25/03/2023 07:25

O zagueiro e capitão Réver levanta a taça do título da Libertadores de 2013 diante do Olimpia, do Paraguai
O título da Libertadores de 2013 diante do Olimpia, do Paraguai, é a maior conquista da história do Atlético dentro das quatro linhas (foto: ANDRES STAPFF/REUTERS )
Parabéns, meu Galo querido, pelos 115 anos de vida! Desde sempre o time do preto e do branco, do rico e do pobre. O time da resistência, do punho cerrado de Reinaldo contra a ditadura, sempre do lado certo da história. O time de Sempre, o torcedor que nunca falta. O time de dona Alice Neves, que costurou a primeira bandeira.

O time de Ronaldinho e Hulk, Said, Jairo e Mário de Castro, Marques e Guilherme, Tardelli e Dadá, os goleadores mortais e imortais. Sobretudo, o time da Massa – esse povão que te carrega nos ombros desde as periferias e favelas até o Mangabeiras e o mundo inteiro, com sua centena de consulados, dos Estados Unidos à Austrália, de Caraíva a Porto Velho, de Floripa a Belém do Pará. Parabéns, atleticano, você também faz aniversário hoje!

Duvido que exista um único cruzeirense que não precise ir ao Google pra saber quando nasceu o Cruzeiro. Duvido que um americano possa cravar a data de fundação do Mequinha. O atleticano não. Ele pode esquecer o aniversário do filho, pular o aniversário da mãe. Mas jamais passará batido pelo 25 de março, nosso Réveillon fora de época, o dia em que sopramos as velinhas para o amor das nossas vidas. Êh, Galo velho de guerra, Rivotril Litrão armazenado em tonel de carvalho há 115 anos. Te amo, desgraça!

Um time com história é outra conversa. Veja o arquifreguês. Decidiu agora que a raposa, sua mascote, deveria passar por uma harmonização facial. Na verdade, tratou de embranquecê-la e afiná-la o nariz, num processo semelhante ao que fez o Michael Jackson, este em razão de um alegado vitiligo. E o que era uma raposa de maus bofes acabou por se transformar, dizem os próprios cruzeirenses, em um exemplar de lulu da Pomerânia.

O tal do Raposão surgiu em 2003 já como jogada de marketing. O Galo Doido não – o Galo Doido é a evolução natural do abre-alas que adentrava o campo no que era o maior recebimento de um time em todo o mundo. Não é exagero. Até os anos 80, time nenhum no planeta proporcionava espetáculo mais grandioso do que o Galo ao pisar o gramado do Mineirão para um jogo importante.

Na arquibancada, as centenas de bandeiras perfilavam no degrau mais baixo, havia a serpentina feita por milhares de rolos de papel higiênico, os fogos de artifício que estouravam por longos minutos no gramado e no concreto armado. Foi o Galo que inventou de entrar em campo com dezenas de crianças, o que passou a ser copiado mundo afora. Nas cenas da final do Brasileirão de 1977, o Galo Doido, em madeira, é carregado como um santo na procissão.

Herdei de um tio-avô uma bandeira do Atlético datada possivelmente dos anos 30, quando os times ganharam cada um seu bicho de estimação, sob a pena do chargista Mangabeira. Por ser um material de época e possuir uma mancha suspeita, meus amigos diziam que o tio Guinga havia recorrido ao precioso estandarte depois de uma sessão de onanismo. Além do suposto DNA do tio Guinga, a bandeira mostra um galo franzino, aquele típico chassi de louva-deus.

De lá pra cá, o galo foi virando o próprio Atlético, de modo que grafamos Galo com maiúscula, e não há no futebol mundial um clube tão naturalmente chamado por seu apelido, apropriado àquele que luta até matar ou morrer. “Galo é Galo”, cantava a arquibancada nos anos 70, “o resto é bosta”.

Então o galo franzino começou a se transmutar. Sua crista tornou-se mais alta e contundente, como o moicano dos punks. Suas garras só podiam ser encontradas nas patas de um gavião-real. Ao se entreabrir, seu bico revelou um conjunto agressivo de dentes, insuspeitos entre os galináceos. De acordo com a teoria da evolução das espécies, caninos pontudos devem despontar nos próximos anos.

No entanto, foi sobretudo no peito a grande transformação. Ele começou a estufar-se, em fenômeno semelhante ao ocorrido com as atrizes do pornô americano do século 20. A tal ponto que, a rigor, trata-se hoje de um chester, cujo nome científico é nada menos que Galus Galus. Ainda terei um em meu quintal.

Um time com história faz a história se impor. Não há marketing no mundo capaz de harmonizar facialmente o Galo Doido, ainda que fosse para transformá-lo num rottweiler e não no lulu da Pomerânia. Por isso o Galo jamais deveria virar SAF, e seu estádio ficaria ainda melhor se fosse chamado de Terreirão do Galo. O Galo deveria ser tombado como patrimônio histórico da humanidade. O dinheiro público que nos sustente, afinal o poder emana do povão e o povão é Galo desde 1908.


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