Há metafísica bastante em não pensar em nada, ensinou Alberto Caeiro, mas o lance é que eu, cético como uma pedra, já estava por demais encafifado com a bola que não entra.
Primeiro julguei ser uma questão técnica. Depois, um defeito de tática. Por fim, derrotado nas convicções mundanas, estava certo tratar-se de alguma operação demoníaca. Ou, ainda mais crível, uma vingança de Deus contra os 4Rs, afinal bolsonaristas e portanto vacinados contra a fortuna da vida. Fortuna, claro, no sentido da boa sorte, porque a bufunfa gorda entre eles se espalha como vírus sem remédio.
O mais estranho dessa bola impenetrável, como se fosse uma bola de pilates numa caçapa de sinuca, é a atuação estupenda do guarda-metas. Todos funcionários do mês! Que a bola seja mal chutada por um Vargas, até um Hulk em seus penais desperdiçados, vá lá, acontece, embora a recorrência de tal mecanismo já se abrigue, também, na prateleira das coisas transcendentais. Agora, qualquer mão-de-alface, qualquer pé-de-quiabo transmutar-se em Dasayev, em Aranha Negra, aí já é um efeito especial sofisticado demais para não aceitarmos o espírito possuído.
Vamos convir: não existe isso em nenhuma atividade humana, nenhum ramo profissional. É como se o sujeito incapaz de redigir um post-it de repentemente se saísse com um romance definitivo. Ou aquele podólogo de shopping center especializado em unhas encravadas que por ocasião de um atendimento acabasse por operar com absoluto sucesso um joanete milenar.
Deveria causar espanto, ou até medo, como se na pequena área estivesse vendo aquela menina do Exorcista. Mas não, acabo por incorporar, como um encosto, o espírito bolsominion – e me encho de um ódio beligerante, de um rancor cego e atroz, da pulsão de morte que me obriga, entre fartos perdigotos, a falar mal da mãe dos caras e a desejar coisas inconfessáveis. Penso em me tornar um CAC! Penso em falsificar a carteira de vacinação do meu próprio filho!
Um desses aglutinadores de estatísticas que abundam nas redes afirma ser o Galo o time que mais desperdiça gols entre os 900 analisados em todo o mundo. Eu acredito. “Há coisas que só acontecem com o Botafogo”, diz o botafoguense que desconhece o Atlético. Sem a concretização do objetivo, ficamos obrigados a nos contentar com a interminável sequência de tentativas – como casais que tentam ter filhos, e que, Deus me perdoe, me remetem sempre à imagem daquele furunfar incessante, na rua, na chuva, na fazenda, ou numa casinha de sapê.
Contudo, depois de 31 tentativas na quarta-feira passada, a corrida de espermatozoides encontrou enfim sua linha de chegada. Já tinha acontecido no jogo anterior, contra o Athético do Paraguai. Após 250 bimbadas, fizemos um casal no sábado e outro na quarta. Benza Deus! Se Leonardo Da Vinci, já se perguntava o Bezerra, por que eu não posso dar dois? Yes, We CAM!
Amanhã pegamos o Botafogo, e esse encontro por si só já evoca coisas de outro mundo. Se eu fosse o goleiro deles já passava a noite no terreiro, pra facilitar a incorporação do Dasayev. Vamo que vamo, que eu tô achando que essa fase vai passar – e vem aí os trigêmeos, os quadrigêmeos, e que a gente possa fazer melhor do que a grávida de Taubaté.
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Caros leitores, bravos eleitores, a partir de hoje faço como o Vargas: entro em férias, ainda que em plena temporada. Trinta dias que pretendo dedicar ao processo de edição de um livro, uma nova coleção destas crônicas sabáticas. Até mês que vem! Hasta la victoria siempre.