Jornal Estado de Minas

GELEIA URBANA

Morrendo aos poucos: como as cidades escolhem pular no buraco



Falava outro dia sobre imóveis já prontos nas áreas centrais de Belo Horizonte, que podem ser adquiridos por valores semelhantes aos do programa Minha Casa Minha Vida.

Falava, sobretudo, do drama que é morar a 2 horas ou mais do local onde os empregos, o lazer, a cultura e a inovação estão acontecendo, e o quanto isso é, para além de excludente, determinante no futuro dessas pessoas.



Explicava, então, o quanto a densidade, o coeficiente de construção e a legislação urbana tem a ver com isso. O quanto decisões políticas (e não técnicas) podem afetar o futuro e a oportunidade de gerações, e por gerações.
Pensar que decisões políticas determinem a qualidade de vida, a dignidade e o alcance que toda uma população terá a empregos e oportunidades chega a chocar, não? 

Derruba quase todas as "teses" que explicam (explicam apenas, porque nada justifica) que famílias de menor renda precisem morar tão longe. Fica parecendo que as "teses" eram, no final do dia, explicações complicadinhas e uma manipulação política para a manutenção de uma sociedade estratificada e hermética, e com baixíssima mobilidade.

Se já deu para entender a importância da densidade naquele contexto, vou contar (ou contabilizar) agora como a infraestrutura urbana que todos pagam vem sendo subutilizada e desperdiçada (ao invés de potencializada) nos bairros mais desejados da cidade.



Imagine um quarteirão de forma triangular num bairro da zona sul de Belo Horizonte. Esse quarteirão tem 1.645 m2 de área e, onde existiram 5 casas, agora haverá um prédio com 24 apartamentos.

As casas são das décadas de 1950 e 1960 e, considerando os números da época, as famílias eram compostas por, na média, 5 pessoas. Na quadra moravam, portanto, 25 pessoas.

O bairro não era, naquela época, considerado "nobre" pelo mercado imobiliário, mas já era muito bem localizado e otimamente bem resolvido quanto ao acesso e infraestrutura. Este quarteirão - em especial - tinha, então, uma densidade demográfica da ordem de 65 m2 por habitante.

A questão é que, sendo um bairro "suburbano" e desinteressante por décadas, atraiu pequenos prédios de 3 e 4 andares com apartamentos de 2 e 3 quartos, um produto típico da "baixa classe média" da cidade.



Até 1976, a legislação urbanística de Belo Horizonte permitia que se construísse no alinhamento dos passeios e muitas vezes sem afastamentos laterais e de fundos. Quem acha isso estranho não conhece as cidades europeias como Paris, Lisboa, Amsterdã, Madri, Berlim ou Barcelona, para ficar apenas nas metrópoles.
Pois bem, nos outros quarteirões deste mesmo bairro, coalhado de predinhos simpáticos com 3 e 4 pavimentos, a densidade urbana seria de, aproximadamente, 7,5 m2 por habitante (12 apartamentos de 2 ou 3 quartos, média de 4 pessoas por apartamento, 48 habitantes num lote de 360,0 m2).

A quadra triangular já apresentava, nos idos de 1960, uma densidade quase 10 vezes pior do que o restante do bairro. Apesar da infraestrutura ter melhorado ainda mais, e os serviços e comércio estarem agora deliciosamente presentes por todo o bairro, a densidade populacional dos novos empreendimentos sequer se aproxima da densidade daquela época.



A quadra que teve 25 habitantes terá, em seus 24 apartamentos, não mais do que 70 ou 75 moradores (média atual de 3 pessoas por família), ou uma densidade demográfica da ordem de 21 m2 por habitante (ainda 3 vezes pior que os predinhos mais antigos, da década de 1960).

Agora uma outra conta: um lote padrão, com 360 m2 tem 12 metros de "frente" para a rua (ou avenida). São, normalmente, 12 apartamentos pagando IPTU à Prefeitura, por um trecho de apenas 12 metros de infraestrutura urbana servindo ao predinho. Se for uma rua, o trecho representará uns 150 m2 em ruas, passeios e tubulações, para 2 predinhos (um em cada lado da rua). Se voltado para uma avenida, o dobro de metragem, talvez.

O novo empreendimento em construção nesta quadra triangular tem nada menos do que 201 metros de alinhamento com as ruas, num total de 2.800 m2 de infra estrutura a compartilhar com seus vizinhos.

Nem precisa de um resumo para se dar conta que a infraestrutura, em toda a cidade, custa cada vez mais, mas serve, cada dia, a muito menos habitantes.



A densidade é, portanto, uma questão de aproveitamento da infraestrutura e dos recursos públicos investidos e arrecadados todos os meses. A densidade é, portanto, o fator mais importante para democratização da infraestrutura e dos recursos públicos para o cidadão.

Para além de debates inflamados, a lógica: o ato de viabilizar adensamento e moradias próximas ao Centro reduz os investimentos necessários em transporte público metropolitano, em espalhamento de escolas, hospitais, áreas de lazer e equipamentos culturais.

A discussão sobre o adensamento não pode permanecer restrita aos debates sobre ventilação natural, insolação e o gosto de cada um, mas compreendida como um fator inexorável no desenvolvimento necessário e dinamismo desejável das metrópoles.
Ignorar é, ao mesmo tempo, condenar os menos afortunados à exclusão social e econômica, e condenar a cidade à perda de atratividade, competitividade e produtividade. #FicaADica