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Estado de Minas GELEIA URBANA

A roda vai salvar as livrarias (e as cidades)

Estratégia simples de uma livraria norte-americana, em que cada loja funcionava de acordo com os hábitos locais, pode ser solução para nossas áreas degradadas


23/10/2023 06:00
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Loja da Barnes & Nobles em Fresno (EUA)
Loja da Barnes & Nobles em Fresno (EUA) (foto: NeoBatfreak/Wikimedia Commons)

A Barnes & Noble é, atualmente, a única rede norte-americana de livrarias que resta em pé após a invasão das lojas online e da expansão dos livros digitais. Fundada em 1971, a rede cresceu até seu ápice, de 726 lojas, em 2008. De lá para cá, muitas fecharam.

Por muito tempo, foi acusada de erradicar de forma desleal as pequenas livrarias de bairro por todo o país. A acusação não era infundada, e seguia a mesma dinâmica - e os mesmos impactos - que as grandes redes supermercadistas sobre os comércios locais e familiares: a extinção dos últimos num curto espaço de tempo.

Quem nos conta essa história é Tania Menai (@taniamenai) numa matéria no Brazil Journal. Mais do que o relato das turbulências e terremotos num mercado em profundas mudanças, a matéria desvenda a estratégia adotada pela rede para se reinventar e, após anos, voltar a crescer.

A fórmula é tão inteligente quanto prosaica, e aqui faço a conexão com as cidades, as zonas centrais degradadas e sua revitalização. Em ambos os casos, a estratégia foi olhar para a história e retornar aos princípios mais básicos. Retornar ao que já funcionou muito bem, e por muito tempo.

Nada de planos mirabolantes, nada de teses acadêmicas complexas ou de consultorias de classe mundial. Nada de grupos focais ou estratégias de marketing, nada de reinventar a roda.

Pensando bem, foi isso mesmo: voltar a olhar para a roda, aquela coisa simples, geometricamente perfeita, o ápice da lógica (junto com o clips), e um dos pontos altos do engenho humano. Uma criação fundamentada em, essencialmente, três aspectos: lógica, experimentação e bom senso.
Melhor ainda, royalty-free, ou seja, conhecimento disponível sem custo e de domínio público para quem quiser usar, desenvolver ou buscar outras soluções a partir dessa.

A Barnes & Noble decidiu administrar cada uma de suas lojas como se fosse uma livraria local, adaptando os pedidos e o estoque ao gosto e preferências dos consumidores locais, reconhecendo a existência de uma cultura e perfil particular em cada lugar. Mais do que isso, a curadoria saiu dos "especialistas" do escritório central e dos "críticos especializados" e passou a ser responsabilidade dos gerentes locais, aqueles em contato constante com os clientes. 

A Barnes & Noble começou a escutar os maiores interessados, os clientes de cada loja. Trocou o planejamento central pela escuta das demandas e oportunidades locais, mediadas diretamente entre os clientes e os gestores das lojas.

Fazendo um paralelo com as cidades e zona degradadas, equivale a ter objetivos e planos estratégicos de médio e longo elaborados e desenvolvidos por uma agência municipal de urbanismo "de estado" (e não "de governo), e projetos e programas de curto e médio prazos para cada bairro, setor (dentro de um bairro) e, até mesmo, para determinados quarteirões.
Visão de conjunto para a cidade, lupa para bairros, setores e quarteirões.

Mobilidade urbana, segurança pública, saneamento e abastecimento, grandes equipamentos e desenvolvimento de vocação para a metrópole, projetos de intervenção urbana, caminhabilidade, áreas verdes, lazer, educação e saúde em forma de "acupuntura urbana", como dizia Jaime Lerner.

É momento da gestão das cidades ser delegada a uma agência urbana municipal, independente e composta por pessoal técnico, tanto do setor público quanto do privado, com mandatos definidos, em indicação pelo governo de plantão e que não sejam servidores públicos de carreira, e sem filiação partidária. 

Mas não vai bastar: é necessário criar e fortalecer os conselhos de bairros, para além dos "representantes sociais" com eternas pretensões políticas, eleitos pelos membros de cada bairro, que tenham capacidade e isenção para colher as necessidade locais, e defendê-las perante a agência urbana.

Nada revolucionário, nada acadêmico ou mirabolante. Como no plano da Barnes & Noble, uma espécie de "volta às origens" e às melhores práticas, que são aquelas já bastante testadas, e de domínio público.

Gostasse a natureza de mudanças bruscas e saltos de fé, as crianças já estariam nascendo com 3 braços (um só para carregar o smartphone).

E quem sabe, a roda e as livrarias venham a salvar as nossas cidades.

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