DA ARQUIBANCADA

Faltou a molecagem de Joãozinho

"Foi-se o sonho de reconquistar Santiago; ficou a certeza do quanto somos gigantes"

Gustavo Nolasco

Twitter: @gustavonolascoB

Há 43 anos, Belo Horizonte amanheceu com a certeza absoluta de que era morada de um gigante.
A celebração veio numa manhã fria de sábado julino. De suas periferias, das casas dos imigrantes italianos, dos bairros operários, de todas as vias, esquinas e becos saiu gente para saudar a existência de um grande clube campeão das Américas na cidade.

Da mesma forma, na noite de ontem, nós rumamos. O povo do time a colorir de azul e branco as ruas e avenidas em direção ao Mineirão. Levávamos a esperança de dar mais um passo adiante na trilha sonhada da reconquista de Santiago. Como se tivéssemos a garantia, a reserva histórica, a carta surpresa de que a qualquer instante da partida contra o River Plate surgiria novamente aquele gol moleque de Joãozinho, como no 3 a 2 dos derradeiros dias do julho de 1976. Acalentados por essa magia, levamos conosco o coração frenético sob o manto sagrado e a história centenária de um gigante incontestado.

Apesar de ainda faltarem alguns passos para revivermos no Brasil algo parecido com aquele Chile oprimido pelo ferro, sangue e tortura da Ditadura Pinochet, na noite de ontem ainda tivemos tempo de nos entregar à liberdade e ao livre direito de expressão. Podíamos pensar o contraditório com relação à pequenez dos adeptos da MauroSergiologia, a ciência de defender o cotovelo como o centro do corpo rubro-negro, capaz de irradiar dali a dor mais aguda do universo.
A despeito deles, nós éramos alegria ali. Fizemos da arquibancada a nossa obra-prima. Empurramos um escrete em busca do que nos moveu desde a primeira vitória contra o Huracán: o desejo por nos mantermos vivos na busca pelo tri da Libertadores.

Mas esperamos o inalcançável. No fundo, sabíamos que precisaríamos do sobrenatural, do impensável, do moleque para vencer numa condição tão adversa. Tínhamos um exército nas arquibancadas, mas, do outro lado, um River Plate na ponta dos cascos.

Durante a partida, nos veio a realidade. Sabíamos que só tínhamos chance se fizéssemos um jogo perfeito da primeira à última volta do ponteiro. Se comparado aos tempos áureos da Fórmula 1, era como se nossa equipe tivesse carros e motores suficientes apenas para uma corrida sem pit stop, sem erros de marchas, longe de retardatários a nos fazer perder tempo e, tampouco, sem a ânsia de recuperar posições a todo custo, sob pena de sermos ultrapassados por outros mais.

Fizemos exatamente a partida perfeita. Fomos pernas e pulmões para nos igualarmos à velocidade da linha média do River. Erramos pouquíssimos passes e buscamos, sem trégua, o avanço rápido na reta do gol. Nosso time foi obsessivo por recuperar uma vantagem literalmente roubada pelo VAR no Monumental de Núñez, naquele impedimento não existente do Marquinhos Gabriel.

No maior clássico entre clubes brasileiros e argentinos, alguém teria de fechar a noite fora da disputa pelo pódio. Caímos diante do atual campeão da Libertadores.

O Cruzeiro lutou com pernas, pulmões, camisa pesada e empurrado pela mais brilhante torcida, a incrível nação azul. Mas ao fim da batalha, no saldo geral, escasseou algo tão caro nesses momentos de confronto entre gigantes. Careceu-lhe a molecagem de Joãozinho.
Faltou-nos impor a nossa história.

Cruzeiro, meu amor, nessa noite mágica e ao mesmo tempo triste, ficou-lhe como lição o quanto é fundamental voltar logo a se portar como o gigante que és.

Conte comigo nas arquibancadas porque sempre terá o meu amor.


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