Qual é a cor de um gol? Para o menino Gilberto, até os 7 anos de idade, qualquer balançar de redes do seu Cruzeiro tinha “cor de nada”. Ele nunca havia visto um tento da Academia Celeste fora da TV preto e branca, ou seja, sem alma e sem personalidade. Tudo mudaria na tarde/noite do dia 7 de março de 1976, quando seu pai, Miguel, o levou pela primeira vez ao Mineirão.
Ainda com o cheiro da macarronada de Dona Dorinha pairando no ar, os dois deixaram a casa no Bairro Grajaú. Não seria uma simples estreia no campo. O garoto alto e magro, de olhos grandes e arregalados por detrás dos óculos, foi no banco traseiro do carro, assistindo a uma cidade inteira rumo à longínqua Pampulha. Não podia imaginar que dali a poucas horas se tornaria uma das 65.463 testemunhas de um dos maiores espetáculos já ocorridos no Mineirão: o 5 a 4 contra o Internacional.
No fim de semana anterior, o menino já havia comemorado o tetracampeonato mineiro. Seu ídolo, Joãozinho, tinha estraçalhado o Atlético de Lourdes. Ganhar deles era até bacana, mas ser cruzeirense é algo diferente. Por isso, Gilberto ia pensando mesmo era na escalação do time para o clássico da Libertadores: Raul, Nelinho, Moraes, Darci Menezes, Vanderlei, Zé Carlos, Eduardo, Roberto Batata, Jairzinho, Palhinha e Joãozinho.
Quando o gigante de concreto surgiu por detrás da mata e às margens da grande lagoa, o coração de Gilberto bateu acelerado. Do lado de fora, um formigueiro de gente. Ele entrou. Dentro do estádio, quando ainda se preparava para abrir o papel do picolé, se assustou com uma explosão de gritos. Palhinha, logo aos 3 minutos de partida, lhe revelaria algo mágico: os gols tinham cores!
Pouco tempo depois, ainda acalentado pelo abraço forte de seu pai, o garoto já recebia outro presente de Palhinha. Os de camisas vermelhas logo descontaram, para, minutos depois, Gilberto quase chorar de emoção: gol do ídolo Joãozinho. Pela primeira vez, em cores.
O intervalo chegou com um 3 a 2 para o Cruzeiro. O menino Gilberto pegou a caixa de fósforos do pai e montou um futebolzinho improvisado com palitinhos no chão da arquibancada. Estava entretido. Não viu o recomeço da peleja e tampouco o gol contra de Zé Carlos, dando o empate ao Internacional. Só voltou seus olhos ao verde do gramado quando ouviu Miguel e outros adultos soltarem palavrões de raiva e medo: Palhinha estava expulso e a máquina colorada com um a mais. Mas a noite era de magia, cores e chuva de gols. Joãozinho era um monstro incontrolável. Fez o quarto do Cruzeiro. Veio o empate, mas o Bailarino sofreria um pênalti. Gilberto apertou os olhos, limpou a lente dos óculos e com a mente filmou a bomba de Nelinho sacramentando o 5 a 4. Saiu do Mineirão com a pura certeza de que todo jogo de futebol deveria ter nove gols.
Gilberto virou homem-feito. Tornou-se um dos maiores cineastas de Minas Gerais, capaz dar transformar roteiros em histórias inesquecíveis, como aquela da chuva de gols coloridos de 1976.
Na noite de hoje, ele estará como nós todos: esperando um milagre frente ao futebol “com cor de nada” que o Cruzeiro vem apresentando. Mas é contra o Internacional, e o celeste da nossa camisa é capaz de nos devolver a magia de sermos cruzeirenses.
O momento exige tanto a pureza do pequeno Gilberto em busca de gols coloridos quanto a genialidade do cineasta Gilberto, pois quando explodirmos na arquibancada ao ver o escrete subir ao gramado para mais um clássico contra o Internacional, vamos sonhar com um filme escrito de forma diferente. Em que o Manobol vai se esquecer da existência dos empates e do 1 a 0. E ao fim da história, voltaremos a atuar como se cada jogo, invariavelmente, tivesse nove gols, dos quais, a maioria deles na cor azul.
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