Jornal Estado de Minas

GUSTAVO NOLASCO

Pelo direito do cruzeirense voltar a sonhar

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A Rua Guajajaras, nos quarteirões próximos da sede do Cruzeiro Esporte Clube, no bairro italiano do Barro Preto, estava tomada por um mar azul. Vinte mil torcedores em silêncio absoluto. Em todas as faces, sinais de apreensão. Em algumas, os dentes rangiam. Olhos fixos no portão por onde entraram, durante 100 anos, taças, conquistas e gênios do futebol arte.



 

De repente, se iniciou um barulho ritmado e ensurdecedor. Milhares de palmas, sem nenhuma palavra de apoio ou violência. Essa foi a reação quando um homem deixou o interior do prédio, postou-se na calçada, abriu o livro de atas e passou a ler as decisões tomadas, ali há pouco, ao final da derradeira reunião do Conselho Deliberativo. Soltou a voz:

 

“Graças a você, Nação Azul, eles foram obrigados a decidir por:

 

1 – Os conselheiros envolvidos no processo de destruição moral e patrimonial do clube, finalmente, estão definitivamente banidos do Cruzeiro Esporte Clube. Tanto eles, quanto seus descendentes, estão impedidos, de forma vitalícia, de pisarem em qualquer metro quadrado de patrimônio da instituição.

 

2 – Todos os conselheiros presentes, sejam eles cúmplices, inertes ou mesmo bem-intencionados, mas convenientemente passivos, entregaram seus cargos. A partir de hoje, o Conselho Deliberativo, no modelo de castas, está oficialmente extinto, já que eles terão o mesmo peso do que qualquer outro torcedor que sustenta o clube nas arquibancadas e em outras cidades do mundo.

 

3 - A proposta de mudança do estatuto, escrita a sete chaves e sem transparência para com o torcedor, foi rasgada e, daqui em diante, será reconstruído democraticamente a partir de assembleias realizadas nas arquibancadas do Mineirão e nas praças públicas dos municípios do interior de Minas Gerais.



O estalar de palmas e as bocas silenciadas e salgadas pelas lágrimas que desciam até elas, foram cortados por um garoto vestido de azul. Com o punho erguido, fone ao ouvido, ele gritou: “Gol! Vencemos mais uma peleja!”. O triunfo selava uma sequência de 10 vitórias seguidas, que garantia a volta antecipada do Cruzeiro à Série A, coroando o episódio que ficou conhecido como “A Retomada”.

 

Ele aconteceu numa tarde em que, cansado de esperar, o povo cruzeirense, famílias inteiras marcharam até a Toca da Raposa II e a tomaram pacificamente. Ali, instalaram uma Diretoria Popular e Transparente de Futebol e lançaram uma cartilha para diretores, empresários e jogadores. Nela, uma lista das proibições e deveres quanto ao acesso ao centro de treinamento do único gigante de Minas Gerais, como:

 

1 – Para vestir o manto sagrado do Cruzeiro é preciso ter “vergonha na cara” e ser temente às arquibancadas.

 

2 - Todo e qualquer contrato ou pagamento de comissões deve ser divulgado publicamente antes de ser assinado ou pago, com valores, nomes e fichas criminais dos empresários checados e validados.

 

3 – Profissionais e amantes de videogame, likes de rede social e holofotes estão proibidos de entrar na Toca da Raposa II. Aqui o instrumento de futebol é a bola, e não o smartphone ou a vaidade.



 

Conselho destituído e tomado pelo torcedor de arquibancada; novo estatuto escrito de forma popular; canalhas da gestão Wagner Nonato Pires Machado de Sá definitivamente presos; jogadores sem vergonha na cara expulsos (medalhões desinteressados ou jovens arrogantes e ranzinzas) sem qualquer tipo de clemência e a criação de uma Diretoria Popular, Transparente e Democrática de Futebol.

 

Esse seria o 7 de outubro de 2020 dos meus sonhos, se eu ainda tivesse força para sonhar.

 

***

 

ERREI: Na crônica da última semana, informei que entre 1921 e 1945, o Palestra/Cruzeiro possuía o mesmo número de títulos do Atlético de Lourdes. Na verdade, naquele período, ele conquistou um a menos. O que não muda o contexto da comparação da sua grandiosidade. O erro foi meu e por isso, peço desculpas ao estudioso Romero Marconi por ter sido citado na passagem da crônica e ao mesmo tempo, ter sido vítima de críticas de pessoas infelizes.