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Um Cruzeiro sempre aberto a todos, desde a sua fundação

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Quantos jogadores trocaram o blá-blá-blá do “professor me pediu isso” e “respeitamos o adversário, mas vamos jogar para vencer” por uma postura forte, direta, emprestando suas imagens de ídolos à luta real contra o racismo? Quantos clubes brasileiros anunciaram medidas concretas contra o racismo, a homofobia e a desigualdade de gênero, para além das peças de redes sociais e ações publicitárias? Reflita e discorde desse rabiscador de letras, mas sou capaz de imaginar você aí tentando preencher os dedos da mão.



Sendo torcedor do Palestra/Cruzeiro, não existe outra forma de falar desse tema sem realizar um mergulho na história – do clube e do futebol brasileiro.

Campinas, 1900. Era criada a Ponte Preta, tendo entre seus fundadores dirigentes e jogadores negros. Em 1907, a Liga Metropolitana do futebol carioca decidiu por unanimidade, de forma abominável, que “as pessoas de cor” não seriam registradas como atletas. O Bangu peitou a decisão racista e abandonou o campeonato.

Em Minas Gerais, na primeira década do século XX, quando ainda não existia o Palestra/Cruzeiro, enquanto outros clubes de Belo Horizonte apresentavam restrições às raças e etnias, o Villa Nova, de Nova Lima, tinha jogadores negros em seu escrete.

Verdade que muitos, logo depois, se abriram parcialmente à diversidade. Mas isso precisa ser analisado num contexto amplo. Essa “aceitação” se deu, na maioria dos casos, por mera necessidade competitiva. Afinal de contas, restringir atletas de outras etnias ou raças era abrir mão dos melhores. Ou seja, ao “aceitarem”, não o fizeram por inclusão, mas, sim, por interesse esportivo. Ter consciência disso é fundamental para não mascarar a perpetuação do racismo estrutural.



Já a Società Sportiva Palestra Italia, no seu estatuto de 28 de janeiro de 1921, deixa bem claro: o clube se destinava ao “cultivo do espírito associativo entre italianos, brasileiros e outras nacionalidades”, se referindo às atividades físicas e ao futebol. Ou seja, ao contrário de algumas corporações da elite belo-horizontina, o time fundado por imigrantes italianos nascia para ser de todas e todos.

Apesar dessa verdade histórica, nós, cruzeirenses, não devemos cair na prepotência de nos rotularmos como melhores, pois estamos bem longe de nos portarmos – instituição e torcida – como exemplares. Assim como todas as demais agremiações brasileiras, nós também estamos inseridos numa sociedade em que racismo, homofobia e desigualdade de gênero são estruturais e se perpetuaram.

Nos mais de 100 anos do futebol mineiro, nenhum grande clube de Belo Horizonte teve nem sequer um único presidente negro. Quantos conselheiros beneméritos e natos dessas agremiações são negros ou negras? Quantos dos seus diretores – passados ou atuais – são negros, vieram da periferia ou são mulheres?

Mas tendo o Palestra/Cruzeiro nascido do clamor da classe trabalhadora (operários e comerciantes) por um time, e por ter colocado em seu estatuto – desde 1921 – a diversidade dos povos como espírito a ser cultivado, somos nós, cruzeirenses, que por origem deveríamos encabeçar uma mudança radical. Assumir esse protagonismo seria honrar a nossa origem, que é completamente diferente dos clubes da oligarquia econômica, política e social de Belo Horizonte.

De uma vez por todas, enfrentemos o racismo estrutural de forma frontal. Façamos com que mais negros e negras, mais mulheres e periféricos ocupem os espaços de protagonismo, que hoje e sempre, NÓS (eu e você, homens brancos) tomamos no cenário esportivo mineiro.

O Palestra/Cruzeiro é o time mineiro de todas e todos por natureza, por nascimento. Lutar contra as injustiças estruturais é também resgatar a nossa história.