Jornal Estado de Minas

DA ARQUIBANCADA

Quanta falta faz a torcida do Cruzeiro

O quarto árbitro levantou a plaquinha dos acréscimos para uma arquibancada superlotada de vazio. De cadeiras moribundas, saudosas da Nação Azul. As luzes do quadrado eletrônico se acenderam, informando o número 15. A quantidade de dias para o apito final desse 2020. 



Nesse tempo, tudo ainda pode acontecer. Seja um milagre para jamais ser esquecido ou a dura realidade, nos empurrando à decisão por montar o esquema tático e psicológico para um 2021 inesperadamente tortuoso. A poucos passos de um retorno à Série A ou engolidos pelas consequências dos crimes cometidos contra o clube, nós, cruzeirenses, fecharemos o ano com a certeza de que tudo poderia ter sido diferente.

Uns irão lastimar os seis pontos perdidos antes mesmo do campeonato se iniciar. Farão falta ou não? Afinal de contas, quem foi culpado pela punição da FIFA? Outros, debaterão implicações da penúria financeira. Ela justifica a demora por encontrar uma formação no mínimo competitiva para o time? 

Haverá a reflexão sobre a lentidão da Justiça, nos obrigando a um ano de espera por cadeia aos criminosos que sangraram o Cruzeiro. Também ficará a pergunta de como essa bola de neve formou-se dentro do clube, sob a cumplicidade de um Conselho Paquiderme Deliberativo. 

Esses e tantos outros ingredientes, mexidos e harmonizados, formam um caldo com gosto de “faltou um algo a mais”, ou – oremos - de “apesar de tudo, conseguimos”.

Mas na noite dessa terça, enquanto assistia as cadeiras do Ginásio do Horto vazias durante a peleja contra o CSA; ao imaginar a nossa casa, o Mineirão, no mesmo instante, às escuras, sem o seu escrete azul estrelado a correr pelo gramado, consegui entender qual será mesmo a falta mais sentida desse 2020. Ela é óbvia... O Cruzeiro fechará o ano mergulhando em saudade da gente! Louco para se jogar nos braços da maior torcida dessas paragens! 

Quem nasceu dos trabalhadores e trabalhadoras, acostumou-se com o amor de milhões, jamais se conformará com o silêncio num estádio de futebol. Próximo de uma épica retomada ou conformado com mais um ano de penúria, não importa, o Cruzeiro chegará ao final desses 15 dias sentindo falta do seu povo. É como se o manto sagrado bailasse, conduzido pelos jogadores, mas, a todo momento, olhando para o vazio das arquibancadas e se perguntando: “Como deve estar a minha torcida?”.



Essa saudade mútua entre Cruzeiro e nós, torcedores, me fez lembrar de um conto, protagonizado por dois personagens de coração e alma cruzeirenses: o eterno maior cronista do Palestra/Cruzeiro, Plínio Barreto e o ex-presidente Juscelino Kubitscheck. Dois amigos de longas resenhas.

Iniciava-se junho de 1966. Em Nova York, exilado, JK recebia a notícia da morte de Naná, sua irmã tão querida. Perseguido pela ditadura militar, o ex-presidente teria dificultado um regresso ao Brasil para ao menos despedir-se dela. 

Temendo uma repercussão negativa fora do país, os militares acabaram por engolir o retorno de Juscelino, sob a condição de proibi-lo de fazer qualquer declaração. Ele também deveria tomar o avião de volta aos Estados Unidos tão logo os três dias de luto pela irmã se encerrassem. 



Chegando a Belo Horizonte para a cerimônia fúnebre, JK teve a oportunidade de percorrer algumas avenidas da cidade onde toda a sua história política havia se iniciado. Ali também foi o palco de sua ligação amorosa com o Cruzeiro Esporte Clube. 

Ao adentrar a área central da capital, poucos quarteirões à frente, o carro parou por alguns segundos. Logo, todo aquele aparato fez uma multidão perceber uma misteriosa presença. Até que o primeiro apontou o dedo e gritou: “é o presidente JK”.

A rua foi invadida, tomada de gente a cercar o carro de Juscelino. Entre eles, seu velho amigo Plínio Barreto. Toda a amargura vivida por JK, durante alguns instantes, deu lugar ao seu inesquecível sorriso largo. Ele abaixou o vidro e disse: "Plínio, Plínio! Como vai o nosso Cruzeiro?".

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