O nosso time entrou em férias. Noutros tempos, estaríamos nesse instante abrindo a cadeira na areia da Praia do Morro, em Guarapari, ao som do vendedor de peroá; mergulhando na água refrescante da Cachoeira Véu da Noiva para curar a décima ressaca; comendo churrasco dia sim, dia também, ou mesmo sentando em qualquer birosca da Savassi, plena quarta-feira, às 10 horas, coçando o dedão do pé na tira do chinelo e chamando o garçom, ainda meio sonolento: “Amigão, me traz uma cerveja”. Tudo isso sem qualquer peso na consciência de um trabalhador cruzeirense em descanso merecido pelo ano de labuta.
Mas devido ao momento e às circunstâncias, o descrito acima não passa de um suspiro de saudade. A sensação real pelo 2020 do Cruzeiro é de que tivemos de vender as nossas férias para o patrão e ainda ficarmos com a cabeça presa nos compromissos da repartição, vivendo sob a ameaça de um programa de demissão voluntária.
O que nos salva nesse cenário é mesmo o fato de sermos palestrinos e cruzeirenses, ou seja, termos um ativo chamado “história”. No linguajar dos corredores da firma, a folha-corrida de serviços prestados, tanto do Cruzeiro quanto da Nação Azul. Essa combinação de trabalho, superação e conquistas no final de todo período difícil ou de labuta.
Se não fosse isso, tudo poderia ser pior. Não acredita? Faça só um teste. Feche os olhos e pense estar passando por todo esse turbilhão e não ter ao menos um legado de onde tirar forças e exemplos de que as decepções são passageiras. Imagine, por exemplo, isso ocorrendo durante 50 anos consecutivos, sem saber ao menos o gostinho de repetir umas férias merecidas?
Portanto, meu amigo e minha companheira de caráter estrelado, nos encontramos frente a um duplo dilema. De um lado, vender as férias para pagar o nosso passado recente. De outro, usá-las para refletirmos sobre o nosso futuro.
Tendo em vista que esse rabiscador ficará ausente desse espaço por alguns dias, deixo algumas reflexões profundas para consumir o tempo vindouro, sem as pelejas do nosso escrete. A primeira, talvez a mais espinhosa delas, é uma pergunta: existe algum outro caminho que não a venda de patrimônios (físicos e de passes de atletas), para equacionarmos as dívidas de curtíssimo prazo (e suas consequências, como punições da Fifa e a imoralidade de deixar trabalhadores sem receber salários, como historicamente outros clubes de Belo Horizonte fizeram a vida inteira)?
Para outra reflexão, talvez até tenhamos de pedir a ajuda aos universitários (de humanas e das exatas). A aprovação da Lei dos Clubes Empresas parece ser iminente, dados os rumos da política nacional para 2021. Nesse sentido, proponho um jogo da verdade: você já pesquisou sobre quais times gigantes, movidos pela passionalidade de suas imensas torcidas, se transformaram em empresa e como foi o futuro dele depois disso? Eles existem? Se deram bem ou mal?
Por fim, uma reflexão para acalorar as resenhas dos boleiros. Fábio, Cáceres, Manoel, Sóbis e mais quem? Com eles estaremos preparados para chegar ao final de 2021 com a consciência tranquila para curtir umas merecidas férias sob um céu azul e estrelado?
Dito isso, um último aviso. Este rabiscador que lhes fala estará ausente desse espaço nas duas próximas semanas. Para ocupar este nobre espaço, convidei amantes das letras e da história de legado feliz do Cruzeiro para nos trazer novas reflexões e casos vividos nas arquibancadas da vida. Sendo assim, até daqui a pouco!