Domingo, teremos a peleja contra o América de Belo Horizonte. Em 2021, completam-se 95 anos do fim da curtíssima hegemonia do clube verde e branco no futebol da capital mineira. Em 1926, depois de 10 títulos consecutivos do clube do alto escalão do funcionalismo público, ele próprio, em conluio com a Liga Mineira de Desportos Terrestres (LMDT), apoiou uma armação para prejudicar o Palestra Itália, dos trabalhadores e imigrantes italianos. Castigo dado. Naquele ano, se formaram duas ligas. Na popular, o Palestra/Cruzeiro conquistou seu primeiro título. Já na outra, disputada pelos cúmplices da LMDT, coube ao Atlético de Lourdes vencer.
Histórias, memórias, paixões e rivalidades. Isso mostra o quanto o “negócio futebol” não pode ser tratado como uma simples bolha quando convém aos dirigentes, políticos, comunicadores e empresários milionários que tiram dele seus capitais (financeiros, eleitorais e de likes). Por isso, reservei-me o direito de não me calar frente a hipocrisia do mundo da bola com relação ao genocídio em curso no Brasil.
No último domingo, assistimos a um dos maiores ídolos da atualidade ser encontrado – pela polícia – escondido como um rato, debaixo de uma mesa, num cassino clandestino. “Gabigol” deveria entender que seu salário milionário só existe em função de ser uma figura pública, capaz de influenciar milhares de crianças, jovens e torcedores.
No Corinthians, recentemente, o surto de contaminação por COVID-19 atingiu quase 30 jogadores e funcionários. O clube poderia ter feito disso um mea-culpa. Encabeçando um movimento nacional de mudança de postura, honrando a tradição de sua torcida em ser porta-voz de lutas sociais. Mas não. Pasme! A decisão dos cartolas foi pressionar o médico até ele pedir demissão.
Em diversas agremiações, enquanto categorias de base e o feminino seguem paralisados, o masculino profissional e o sub-20 estão em pleno funcionamento, Brasil, hotéis, ônibus e voos afora. Na lógica mercantilista (e não sanitária), uns são despesa, e outros, lucro. Ou seja, a incoerência canalha está no DNA do “negócio futebol”. Para piorar, ela é negligenciada por boa parte da crítica esportiva e pelos administradores públicos.
Na política, essa aceitação de qualquer discurso de forma passiva já é regra. Afinal de contas, “gado” existe aos montes, seja ele de qual raça partidária for, adorador das velhas raposas, dos neopopulistas ou dos fascistas.
Em Belo Horizonte, por exemplo, assistimos a prefeito e a governador trocando de papéis na dança dos personagens do marketing político. Enquanto um foi eleito sendo subserviente ao negacionismo (e se manteve assim até a semana passada), o outro, “machão” nas peças publicitárias, às vésperas das eleições municipais, liberou os segmentos não essenciais, como o é o futebol. Também saiu em defesa de a capital mineira ser transformada numa espécie de Ilha da Fantasia para os turistas do Campeonato Paulista. “A justificativa é técnica, embasada em protocolos da CBF”. É... Deve ser sim. Muuu!
Chega! Passou da hora de tratarmos o futebol para além de 22 jogadores (alienados ou não) correndo atrás de uma bola. Esse negócio bilionário gera paixões; movimenta milhares de pessoas (mesmo fora dos estádios); ativa atitudes irracionais; inspira exemplos (bons e maus) e tem o poder gigantesco de aumentar ou diminuir a conscientização da população.
Ex-jogadores e jornalistas esportivos estão morrendo. Familiares de atletas agonizando em UTIs. Torcedores empilhados em corredores de hospitais. O técnico Lisca sendo censurado por denunciar a barbárie. Jogadores conscientes do papel social e político, como o jovem Igor Julião, do Fluminense, infelizmente, se tornando raros em meio a esse mar de Felipes Melos.
Pois bem, se você não concorda com a opinião desse rabiscador, excelente! Essa possibilidade de discordância é a prova de que ainda vivemos numa democracia, mesmo estando ela (e amigos nossos) respirando por aparelhos nesse exato momento.