“Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio o que não é espelho”
Caetano Veloso
Quando se torna passível de ser chacoteado por um absoluto nada desportivo, como é o ex-presidente do Atlético de Lourdes Sérgio 6 a 1 Câmara, como o mandatário do Cruzeiro foi na semana passada, ele precisa repensar sua postura pública, imagética, de suposto líder e sobre como isso respinga numa instituição centenária.
Perguntar a qualquer torcedor daquele clube o que pensa sobre Sérgio 6 a 1 Câmara, é a senha para o presidente do Cruzeiro entender o quanto ele – por postura própria – se deixou chegar ao ponto de ter de ouvir calado o insulto vindo de um nada desportivo.
Não há aqui caça às bruxas, responsabilização unilateral ou a segunda intenção típica dos viciados na politicagem barata. O que embasa essa reflexão é a exaustão de um mero torcedor, que deu seu voto de confiança a todo e qualquer ser humano que se posicionasse contra a organização criminosa que destruiu o Cruzeiro em 2019, formada por dirigentes, conselheiros, empresários e jogadores.
De lá para cá, divergências políticas e pessoais impediram uma grande aliança pela reconstrução do único gigante de Minas Gerais. Alguns milionários “profetas do caos” pularam do barco por vaidade ou oportunismo. Outros, heroicamente, estão estacando a sangria, pouco a pouco, impedindo o paciente de ir a óbito.
Mas lá se vão quase dois anos. E nesse tempo, o mandatário do Cruzeiro, por teimosia, vaidade ou influência de gurus e nerds, acabou por cometer seguidos erros na gestão do futebol e na preservação de valores inegociáveis de um clube de origem operária e de luta contra preconceitos das oligarquias.
Não ouvir críticas com serenidade; não considerar pontos de vistas contrários; não ter discernimento e humildade para liderar um ambiente de paz. Quem age assim, ou compra opinião (emissoras de rádio, TVs, youtubers, influencers e cronistas) ou se revela um refém do mito de Narciso.
Segundo a mitologia grega, no dia do nascimento de Narciso, Tirésias, em seu oráculo, profetizou que o menino teria vida longa, mas para isso, jamais deveria contemplar a sua própria figura.
Narciso se tornou um jovem de extrema beleza, mas desprezava as ninfas que queriam amá-lo sem lhe pedir nada em troca. Sua arrogância motivou a deusa Némesis a condená-lo a apaixonar-se pelo próprio reflexo. Certo dia, sentado à beira de um lago, viu sua imagem espelhada nas águas. Sem conseguir tirar os olhos da sua própria beleza, definhou até a morte.
Como disse o brilhante jornalista Bruno Bueno, que tive a honra de convidar para dividir esse espaço comigo nas últimas semanas: “O presidente de um país não vai para o exterior em meio a um desastre natural, a uma onda de protestos, a um atentado ou a uma situação de calamidade pública. Isso é o básico do administrar, do gerenciar, do cuidar”.
O que passou, não volta mais. O discurso fácil dos que nada fazem e não têm a hombridade de colocarem seu nome como opção para uma solução real, não me engana. Porém, também não há mais um pingo de paciência com a atual gestão do clube caso ela não assuma definitiva uma postura diferente da adotada nesses dois últimos anos. Até porque, nem mesmo Narciso aguenta mais tanta vaidade refletida no espelho.
“E quem vende outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso, do avesso, do avesso, do avesso
Caetano Veloso