Jornal Estado de Minas

Se há desafios, maior é nosso Cruzeiro, sempre pronto a lutar

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“Quem disse que seria fácil?” Perguntei para mim mesmo ao fim da terrível peleja do Cruzeiro contra o Bahia, na última sexta-feira. Encostei na mureta do setor destinado à torcida visitante na Fonte Nova, olhando as águas do Dique do Tororó ao fundo de uma Salvador que tentava me fazer sentir o peso da derrota como uma sentença final.





Saí da melancolia com a chegada dos meus companheiros de jornada em terras baianas, Marceleza e Zé Neto, cada um trazendo no rosto um sorriso de apoio, como quem diz: “Para o nosso Cruzeiro nada é fácil. E tudo bem! A gente vai superar e, no final, algo grandioso nos espera”. Peguei dos copos de cerveja numa lapada só, tamanho foi o orgulho que senti por ser cruzeirense e conhecer a história de superações que nos forjou.

Noutro dia, vestido novamente com o manto sagrado, por entre troças dos tricolores e incentivos dos rubro-negros do Vitória, caminhei pelo pôr do sol. Desci a avenida Sete, dobrei a Igreja de Santo Antônio e, ao avistar a Praia da Barra, me senti em cima do trio elétrico, ao som dos eternos Dodô e Osmar. Dessa vez, gritei: “Quem disse que seria fácil?”.

A noite caiu sobre o Farol, e quando já me preparava tomar o rumo de regresso, senti um chamado. Apontando para as cinco estrelas do meu manto, um senhor aparentando 60 e alguns anos de idade, e com o lado esquerdo do corpo paralisado por conta de um AVC, com muita dificuldade, acenou para mim. Mal me aproximei e ouvi seu murmúrio: “Ô, pai, que foi isso com nosso Cruzeiro?”.





Encostado na balaustrada que separa a Barra do Morro do Cristo, ele me chamou para um dedo de prosa. Clênio nasceu no sertão de Minas Gerais, pelas bandas do Rio São Francisco. Na lida da família no vem e vai pelas embarcações no Velho Chico, ainda criança ele se mudou para Juazeiro da Bahia, onde ganhou dos colegas de escola o apelido “Mineirinho”. Foi lá que viu – pela primeira vez, nas páginas das revistas e dos jornais de época, o time de Tostão e Dirceu Lopes com a camisa branca e estrelas azuis ao peito. “Ali eu decidi, pai. Era para esse time que iria torcer para o resto de minha vida”.

Enquanto ele me contava como manteve firme seu amor pelo Cruzeiro durante os dois últimos anos de consequências nefastas pelo desastre de 2019, eu o olhava, e nele via a imagem genuína da Nação Azul. Levei meu pensamento para longe, num mergulho profundo na nossa história. E a cada capítulo de dificuldade relembrado, eu voltava à pergunta-resposta: “Quem disse que seria fácil?”.

Vencemos os martírios das décadas de 1930, 1950 e 1980. E no final de todos esses períodos difíceis, o resultado foi o mesmo: a torcida do Cruzeiro cresceu ainda mais e, ao fim, o time se superou com títulos.





Depois de me despedir de Clênio e seguir rumo à Pituba, me lembrei do relato de um mestre, amigo e professor de roteiros, Edwin Perez. Um santista tão apaixonado pelo time praiano quanto eu pelo Time do Povo Mineiro. Quando da penúria do biênio 2020/2021, ele me consolou, contando sobre uma das maiores crises financeiras e desportivas do seu Santos, no período entre 1985 a 2001, quando tudo levava a crer no abandono do time pela torcida. Mas foi o contrário, a “fila” se fez oportunidade para a nova geração de santistas se dedicar ao orgulho da própria história. E o time se superou brilhantemente com a conquista do Brasileiro em 2002.

Voltei a Belo Horizonte sem desgrudar do meu manto sagrado, lendo a notícia da partida de Vítor Roque com a serenidade de quem está devidamente calejado. Afinal de contas, qual foi a última vez em que as únicas notícias ruins eram uma derrota fora de casa para um grande clube e a venda milionária de um jogador promessa?

Dois dias depois, ao subir as escadarias das arquibancadas do Mineirão para jogar junto com o Cruzeiro, contra o Brusque, novamente, pensei: “Quem disse que seria fácil?”. Eu me lancei a cantar por mim e por Clênio Mineirinho, o cruzeirense de Juazeiro da Bahia.