“Torcedor de verdade tem de acompanhar sempre o seu time.” Imagine ouvir isso aos 8 anos, vivendo a 2.300 quilômetros de distância do seu clube do coração e sendo o único em sua cidade a torcer por ele? Ser cruzeirense, para o velho menino Zé Carlos, filho da periferia de São Luís, no Maranhão, nunca foi só uma escolha inusitada. Trata-se de pura resistência. Amor solitário por uma camisa azul com cinco estrelas bordadas no peito.
Zé Carlos nasceu em 1982, na capital maranhense. O Bairro Anjo da Guarda, onde viveu seus primeiros anos, formou-se por uma tragédia: o incêndio da favela do Goiabal, às margens do Rio Bacanga, que provocou o refúgio das famílias que perderam tudo.
Já na década de 1990, o menino fincou morada no Jardim Tropical, uma área descampada de São José de Ribamar, cidade metropolitana de São Luís. O terreno de puro mato era um convite para a molecada correr atrás de uma bola, mas Zé Carlos tinha de ajudar o pai a capinar o lote para erguer a primeira casa. De taipa, telhado de palha e sem portas.
Futebol era uma paixão na família. Eram integrantes da Dragões da Fiel, torcida organizada do Moto Club. Mas para Zé Carlos, assistir aos jogos era chato. Seu negócio era estar debaixo das traves de madeira nos campinhos de várzea. Bom goleiro, quase foi parar no arquirrival, Sampaio Correia.
Além da paixão pelo Moto, na família de Zé Carlos, cada um também torcia para times paulistas e cariocas. Os irmãos eram Corinthians, Palmeiras e São Paulo. A mãe, vascaína. O pai, fanático pelo Fluminense, usou de sua autoridade para tentar cooptar o garoto. Era uma tarde de quarta-feira, em 1990, o tricolor carioca jogaria pelo Brasileirão, nas Laranjeiras. Raimundo obrigou o filho, de 8 anos, a assistir à peleja pela TV. “Torcedor de verdade tem de acompanhar sempre o seu time.”
Mal começou o jogo e os olhos do menino vidraram na camisa do time adversário. Era um azul diferente. Intenso. Apaixonou-se. O amor à primeira vista foi presenteado com um gol do meia Luís Fernando Flores. Derrota do Fluminense por 1 a 0.
Guardar o nome “Cruzeiro” não era missão fácil para um garoto onde só ouvia Moto Club, Fluminense, Sampaio Correia e Vasco. Gostava das estrelas e lembrou do Cruzeiro do Sul. Pensava nele todas as vezes em que era perguntado sobre seu time de coração: “Eu sou Cruzeiro.”
Aos 15 anos, em meio a uma São Luís em completo silêncio, disparou a gritar sozinho pela madrugada após “um tal Cruzeiro” conquistar a Copa Libertadores, em 1997. O cruzeirense da ilha maranhense comemorou – solitário – diversos títulos, mas sentia faltar algo. Queria ter outros para abraçar.
Somente em 2018, ao tomar conhecimento da existência de um recente reduto de cruzeirenses na cidade, a União Azul da Ilha (UAI São Luís), Zé Carlos pôde ter a quem abraçar. E assim comemorou a conquista da Copa do Brasil. Mas uma frase ainda ressoava: “Torcedor de verdade tem de acompanhar sempre o seu time.”
Hoje, aos 40 anos, o velho menino Zé Carlos trabalha como vigilante. Do parco salário, todo mês, tira uma parcela para pagar sua cota de Sócio Torcedor do Cruzeiro, mesmo nunca colocando seus pés em Minas Gerais. Pelo celular, viu o momento épico proporcionado pela torcida cruzeirense no Mineirão, na final do Mineiro deste ano. Aos prantos, confidenciou: “Para muitos é só mais um jogo, para mim, que nunca vivi um momento desse aí, é um sonho. Se um dia eu chegar a realizar. Deus é Pai. Um dia, eu consigo.”
Desde então, vê-lo no Mineirão passou a ser sonho também da própria Nação Azul. E graças à AGC – Associação Grandes Cruzeirenses, ao reduto UAI São Luís e principalmente, à resistência do próprio Zé Carlos em se manter Cruzeiro, mesmo contra tudo e todos, por tanto tempo, isso será realidade. Na próxima partida em Belo Horizonte, o menino celeste da ilha estará nas arquibancadas do Mineirão. Você conseguiu, Zé Carlos!