A cada vitória do Cruzeiro, recebo uma mensagem no meu celular: “Zêeeerooo.” Se perde, o telefone fica mudo, mas basta uma próxima visita para ele sentar na ponta da mesa, estender o copo para eu encher de cerveja e soltar: “Eh, Branco. Esse nosso time, viu...”. É meu velho pai, feliz ou conformado com o resultado da última peleja do Cruzeiro. Gosta de dividir sua singela euforia – ou decepção – comigo. Sabedor do quanto é o culpado máximo, sem comparsas, por ter me lançado na vida sem volta da paixão eterna pelo time azul estrelado.
Hoje, vésperas do meu aniversário e do Dia dos Pais, datas sempre próximas e a nos unir, resolvi rabiscar sobre o início de sua vida de cruzeirense. Diferente de mim, ele não nasceu torcedor do Maior de Minas. Tornou-se. Zé Paulo é de um lugarejo de nome Divininho, zona rural de Caiana, cidadezinha da Zona da Mata, beirada da tríplice divisa entre Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Um dos seis filhos de um produtor rural bronco e extremamente rígido. Na fazenda, todos eles tinham uma obrigação. A de meu pai, ainda criança, era a de cuidar do chiqueiro e dos porcos.
Diversão, quase nenhuma. Mas os jogos de futebol vindos pelas ondas das rádios cariocas eram um refresco permitido. Naturalmente, todos os irmãos torciam pelos times cariocas. Até hoje, os vivos mantêm essa preferência. Menos meu pai, um ex- vascaíno.
No ano de 1966, quando Zé Paulo já havia se mudado para estudar em Ouro Preto, contra a vontade e sofrendo a ira de meu avô, que o queria entre os porcos, um estranho no ninho do futebol brasileiro começou a povoar as transmissões das emissoras de rádio de todo o país e a chegar aos rincões do Brasil profundo. O Cruzeiro Esporte Clube, de Belo Horizonte.
Durante as tardes dos domingos e noites de quartas-feiras, vez ou outra os locutores começaram a comentar sobre vitórias surpreendentes desse escrete de calções brancos e camisas azuis com cinco estrelas soltas pelo peito dos jogadores. Naquele ano, na Taça Brasil, a primeira vítima foi o Americano, de Campos dos Goytacazes. O então campeão fluminense levou 4 a 0 e depois um 6 a 1 daquele “tal de Cruzeiro”.
Algumas semanas depois, as ondas do rádio chegavam anunciando uma semifinal entre o todo poderoso Fluminense, campeão da Guanabara, e a zebra azul mineira. O genial Tostão e um menino de habilidade espantosa, chamado Dirceu Lopes, encantavam os narradores, que por suas vozes tentavam descrever, em palavras, o futebol mágico desfilado nos gramados por aquela Academia Celeste. Entre esses ouvintes, meu velho pai. O tricolor carioca sucumbiu.
Porém, uma certeza dominou o assunto entre os amantes do futebol na semana seguinte. Toda essa audácia do escrete mineiro acabaria em alguns dias, pois o “tal Cruzeiro” enfrentaria o Santos de Pelé na final e, certamente, tomaria uma sonora saraivada de gols para aprender a nunca mais ocupar o lugar dos times cariocas nas decisões e nas narrações das rádios.
A Academia Celeste de Raul, Piazza, Tostão, Dirceu Lopes e companhia assombrou o mundo. O maior time do planeta, o Santos, perdeu por 6 a 2. Na outra semana, as ondas dos rádios anunciavam nova vitória estrelada, por 3 a 2, e o consequente título da Taça Brasil. O Cruzeiro, definitivamente, apresentava o futebol mineiro não só ao Brasil, mas também à própria Minas Gerais, até então dominada pela influência dos meios de comunicação cariocas e paulistas.
Daquele dia em diante, o coração de meu pai não tinha mais escapatória. Assim como milhares de mineiros do interior profundo, ele se transformara – para sempre – num cruzeirense apaixonado. Dirceu Lopes, o menino passarinho, tornou-se seu ídolo para a vida toda.
Dedico essa crônica a todos os pais cruzeirenses, em especial, ao meu amigo e Mestre da Gentileza, Dirceu Lopes. Obrigado por fazer o meu pai e o de tantos outros apaixonados serem Cruzeiro!