Jornal Estado de Minas

DA ARQUIBANCADA

O Barro Preto, para quando a festa do Cruzeiro vier



Somente uma vez em sua história, o time do Cruzeiro comemorou uma conquista antecipadamente, sem garantias matemáticas. Aconteceu em 10 de novembro de 2013. Vencíamos o Grêmio por 3 a 0, quando o atacante Dagoberto, substituído aos 30 minutos do segundo tempo, deixou o banco de reservas e disparou pelo entorno do gramado, enquanto os dois times ainda jogavam. Girava a camisa sobre a cabeça. Solfejava a música entoada pelos torcedores. “Nós somos loucos! Somos Cruzeiro!”. O Mineirão explodiu e, antes do apito final, 56 mil cruzeirenses acompanharam Dagoberto e passaram a gritar o tricampeonato brasileiro.



A peleja se encerrou alguns minutos depois. Os outros jogadores celestes atiraram as formalidades para o espaço e se lançarem a comemorar o título com cinco rodadas de antecipação. Mesmo faltando ainda somar mais um ponto para sacramentar matematicamente a conquista. Três dias depois, em Salvador, batemos o Vitória por 3 a 1. Oficialmente, nos tornávamos tricampeões brasileiros.

No dia seguinte, um mar de gente vestida de azul e branco foi ao Aeroporto de Confins recepcionar o nosso time. Juntos, seguiram e adentraram Belo Horizonte em festa. A Praça 6+1, acostumada a outros tantos triunfos cruzeirenses, foi a primeira parada. Depois o cortejo seguiu rumo a um bairro operário da capital mineira. O ápice daquela epopeia comandada pelo povo ocorreu onde, por justiça com a nossa história, ela sempre deveria acontecer: no Barro Preto, a terra sagrada para palestrinos e cruzeirenses.

Desde antes de nossa fundação, em 1921, no centro da cidade, o Barro Preto se fez casa para a nossa gente. Para lá foram jogados os imigrantes italianos. Onde eles sonharam em “ter um time para chamar de seu”.  Ali, o estadinho do Palestra Italia foi erguido por torcedores e futuros jogadores. As primeiras conquistas se consolidaram. A covardia da guerra e a resistência acabaram por nos fazer Cruzeiro. Craques – dos Fantoni a Joãozinho – se formaram. Nós, torcedores, ocupamos as ruas do Barro Preto, em 2019, até extirparmos a quadrilha da gestão Wagner Nonato Pires Machado de Sá. Voltamos a elas para lutar pelo direito à esperança de um novo tempo, a partir de 2022.



Neste ano, não conquistaremos nenhum título. Apenas voltaremos para onde nunca deveríamos ter saído. Seria um nada frente à história de um multicampeão. Mas é um tudo para um gigante que foi ferido quase de morte.

Matematicamente, nosso retorno à divisão principal não será contra o Náutico, nessa sexta-feira, nem contra o Sampaio Corrêa – na terça-feira – ou contra o Criciúma e Operário, no início do próximo mês. Na melhor das hipóteses, oficialmente, só pode ocorrer a partir da peleja contra o CRB, em Maceió, no dia 17 de setembro (mesmo assim se ganhar todos os jogos anteriores e o quinto colocado perder todos os seus, o que é bastante improvável).

Mas não tem mais como segurar. A qualquer momento, o “espírito Dagoberto” irá baixar sobre o elenco e a Nação Azul. Certamente, iremos repetir 2013 e antecipadamente e sem garantias matemáticas, celebraremos o alívio por termos “saído dessa desgraça e voltado à Série A”.



Para quando essa festa vier, fica um pedido para a direção da SAF Cruzeiro. Respeitem o nosso legado e não levem a festa do Time do Povo Mineiro para a Minas Arena ou para um espaço sapatênis-gourmet. Façamos um cortejo por nossa história.

Atravessemos a Rua dos Caetés, onde jogadores e torcedores se reuniam nas Casas Ranieri para sonhar com a criação do Palestra/Cruzeiro. Paremos novamente na Praça 6 1 por todo o amor que ela tem por nós. Façamos um desvio pela Rua Tamoios, onde oficialmente se sacramentou a nossa fundação. Para depois descermos, rompendo as colinas dos bairros da burguesia.

Aí, sim, nós, torcedores e jogadores, nos derramaremos como uma chuva de estrelas pelas ruas do bairro operário do Barro Preto. A terra sagrada, o berço do gigante vindo do povo chamado Cruzeiro.