Jornal Estado de Minas

DA ARQUIBANCADA

Sobre Marquitos, Salomés e Pablitos



Não costumo ir com o manto sagrado em pelejas contra o Atlético de Lourdes. Infelizmente, o ódio e a violência me privam dessa bênção.  Em 2011, vesti camiseta branca e segui para a Arena do Jacaré, em Sete Lagoas. Pela segunda vez, depois do fechamento do Mineirão para reforma, o embate teria torcida única, no caso, a Nação Azul.





Por ter ficado esperando um amigo retardatário, acabei comemorando o gol inaugural, de Wellington Paulista, sem vê-lo. Preso na fila da catraca. Quando finalmente entrei, colei no alambrado, atrás do gol defendido por Fábio. Mal olhei para o gramado e Leo comete um pênalti estúpido. 1 a 1.

Ao contrário da torcida organizada atrás de mim, não questionei a marcação da penalidade. Liguei para Marquito, o calmo retardatário, que como de praxe não havia chegado ainda, mesmo já com quase 30 minutos do primeiro tempo, e disse com muita raiva: “Foi pênalti, sim!” Bastou minha camisa neutra e essa afirmativa para causar desconfiança nos brutamontes ao meu lado. Tinham a absoluta certeza de que eu era um da Turma do Sapatênis infiltrado por ali.

Quando o caldo estava preste a entornar, eis que surge Marquito, com seu manto azul estrelado, sorriso aberto no rosto. Abraçou o mais desconfiado dos inquisidores: “Rapaz, ele é mais doente que a gente junto, pô. Bora torcer! Vamos ganhar desses sofredores aí.” Perdemos de 4 a 3, mas, graças a ele, assistimos o restante da peleja junto da organizada.





Marianense como eu, Marquito foi meu companheiro de jornada nos duros anos de Arena do Jacaré. Tanto no sufoco da quase queda de 2011, quanto em todo o quase título de 2010. Nesse ano, inclusive, ele estava comigo – e Gargamel – no Pacaembu, contra o Corinthians, quando fomos assaltados por Sandro Meira Ricci e – por quê não? – pelo teatro de Ronaldo no suposto pênalti cometido por Gil.

Fomos também ao Beira Rio no gelado inverno de Porto Alegre. Estivemos no Maracanã para a entrega das faixas, contra o Flamengo, pela conquista do Brasileirão de 2013. Tivemos outros tanto jogos nos quais, ele com sua calma contumaz, sempre nos fazia perder os minutos iniciais.

Marquito não era de se enervar ou perder qualquer outra vontade pelo Cruzeiro. Para ele, amar incondicionalmente o clube significava alegria, diversão, sentimento de leveza. Era o símbolo máximo do cruzeirense raiz, para o qual sofrer não é ideal.





O sinônimo para cruzeirense é mesmo felicidade. Marquito era feliz. Partiu no dia 12 de julho de 2021, vítima da pandemia de Covid-19 e da política negacionista do governo genocida-miliciano brasileiro. Ele estava morando no Pará e dali a oito dias o Cruzeiro jogaria contra o Remo, em Belém. Nesse, nem atrasado meu amigo conseguiu chegar.

Hoje, dois amigos e mestres, Ikis e Digão, com os quais dividi as ruas do Barro Preto, ao final de 2019, para extirparmos o câncer Wagner Nonato Pires Machado de Sá, estão com a tarefa de organizar uma homenagem a outros dois ícones da arquibancada – Pablito e a maior torcedora do mundo, Salomé. Isso me fez sentir saudades de Marquito e tantos outros milhares de cruzeirenses que se foram entre o desastre de 2019 e a retomada de 2022.

Estamos a poucos dias de consolidarmos matematicamente o nosso retorno ao local de onde nunca deveríamos ter saído. Essa volta tem vindo como o Cruzeiro ensina em Minas Gerais: sendo alegre, comemorando várias vezes, celebrando a dádiva de termos escolhido o time do lado correto da história. Para exaltar o ódio, a traição e o sofrer é preciso calçar sapatênis.

Vamos celebrar nossos Pablitos, nosso Rosinhas da Máfia Azul, nossas meninas Iris, nossas Marias Salomés, nossos felizes Marquitos. Fazer jus à alegria que eles significavam, pois não é só o Cruzeiro que está voltando para a divisão principal do campeonato que já conquistou por quatro vezes. É o Brasil que está sedento felicitar esse clube vindo do povo verdadeiramente feliz de Minas Gerais pelo retorno.