Essa não será minha última caminhada pela cidade para lhe ver. Mas se tornará a derradeira nessa jornada pelo nosso retorno, pois ao final da noite que se avizinha, entrelaçados no seu “abraço todo”, por minutos a fio, sob o véu de concreto desse templo azul celestial, chamado Mineirão, eu e você, Cruzeiro, faremos do fim desse longo martírio um momento para reafirmarmos nosso amor inexplicável.
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Sobre Marquitos, Salomés e PablitosO lugar da história guardado para o Cruzeiro de PezzolanoO Barro Preto, para quando a festa do Cruzeiro vierDo povo, o Cruzeiro veio; pelo povo, ele voltouNa carta que escrevi pela passagem de seus 100 anos, para contar um pouco de nossa história, rabisquei: “O Cruzeiro/Palestra foi um clube criado por sua torcida que queria ter um time para chamar de seu.” Antes de nascer, você já era sonhado.
Suas companhias, seus torcedores apaixonados, simplesmente queriam apenas tê-lo ao lado, oferecendo o peito para você repousar, se sentir amado. Assim, o lado esquerdo foi coberto por um pano azul, com cinco estrelas brilhantes a pulsar.
Lembro daquela tarde/noite de 2019, quando você, destruído, caiu. Eu engoli o choro, virei as costas e parti sem olhar para trás. Não era falta de amor. Pelo contrário, era medo de não conseguir mais lhe fazer feliz. Mas logo passei pelo muro e li: “A vida é um sopro.” Você pernameceu nos meus sonhos.
Quando a cumplicidade é verdadeira e justa, onde a comodidade de fortunas como a dos Bilionários do Brasil Miséria ou o egocentrismo da Turma do Sapatênis não se fazem presentes, qualquer trauma do passado pode ser superado. Basta uma gota de coragem. E você a guardou, Cruzeiro. Ao me mostrá-la, coube a mim e aos meus companheiros de manto sagrado lotarmos as arquibancadas, lhe pedindo: “Vamos, juntos, a gente consegue voltar.”
Dia a dia, jogo a jogo, em Belo Horizonte ou como visitantes nas casinhas de outras paragens, pelejamos. Curtimos cada gol como o beijo perfeito. Cada vitória como uma lembrança inesquecível. A cada avanço frente às adversidades, o querer da rápida chegada do próximo encontro.
Alguns lhe disseram: “a torcida vai lhe abandonar.” Pobres infelizes, falastrões e odientos. Eles erraram.
Nas uniões falidas, artificialmente sustentadas, fazer do outro um escravo da dor, da culpa ou do “tem de ser sofrido, senão não é de Lourdes” é uma droga viciante, pois quem se aproveita dela escamoteia a submissão. Não à toa, existirá sempre uma “aldeia” - a serviço de seus patrões - pronta a querer exaltar os times da elite econômica por esse viés, já que pelo amor... Ah, Cruzeiro... Pelo amor inexplicável, eles nunca serão.
Nós não nos permitimos o marasmo, a comodidade. A gente é o time do feliz povo mineiro. A nossa união é marcada por alegrias extremas, por um álbum repleto de páginas heroicas e imortais. Uma paixão merecedora da vaidade no seu significado leve e pueril.
Nós passamos pelo momento mais triste dessa de nossas vidas e cá estamos, em pé, apaixonadamente juntos. Exatamente por acreditarmos no que move e alimenta o companheirismo: a paixão eterna por querer estar de mãos dadas. A cada peleja, reafirmamos esse compromisso e fomos recompensados. O gênio Gilberto Gil, cruzeirense de coração, assim traduziria essa nossa superação:
A paz invadiu o meu coração
De repente me encheu de paz
Como se o vento de um tufão
Arrancasse meus pés do chão
Onde eu já não me enterro mais
O tempo certo para o fim dos piores anos de nossas vidas chegou, Cruzeiro. Voltamos, meu amor.