Jornal Estado de Minas

DA ARQUIBANCADA

De Palestra a Cruzeiro: 80 anos da Resistência Palestrina


“Em 1942 nos tornamos Cruzeiro e 80 anos depois viramos Cruzeiro de novo.” Palavras do meu amigo e cruzeirense bruto Márcio Álvaro, assim que nos sagramos campeões na última sexta-feira. Hoje, a dois dias dos 80 anos da mudança de nome de Palestra Mineiro para Cruzeiro, o que aconteceu em 7/9/1942, reproduzo trecho do livro “De Palestra a Cruzeiro – Edição Centenário”, obra oficial e definitiva da história do clube. Parabéns para nós, palestrinos-cruzeirenses, pelo legado de resistência.



“(1942) ficou marcado pela entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial. O país – que recebera imigrantes vindos de todas as partes do mundo – via-se, então, envolvido em uma guerra que acirraria o ódio e a ira entre nacionalidades. Casas comerciais ligadas a descendentes de italianos, alemães e japoneses foram apedrejadas e saqueadas em muitas cidades brasileiras. Vandalismo em nome de um patriotismo selvagem e ignorante. Belo Horizonte não escapou da sanha e do terror. O Palestra Itália e a sua torcida, vinda do povo e dos operários, principalmente imigrantes italianos, também não.

No início de 1942, um decreto-lei do governo federal estabeleceu a nacionalização dos nomes, e o Palestra trocou o Itália por Mineiro. Em agosto, submarinos alemães afundaram navios brasileiros. Getúlio Vargas anunciou a entrada do Brasil na guerra. Entre as medidas adotadas, estava a proibição do uso de quaisquer símbolos (idioma, cores e bandeiras) que remetessem à Alemanha, à Itália ou ao Japão. Essa decisão o incentivou uma onda sanguinária de xenofobia contra imigrantes que viviam no país e não tinham absolutamente nenhuma ligacão com a guerra.

Um estado de terror foi criado em Belo Horizonte. Lojas e casas foram saqueadas, queimadas e destruídas. Pessoas foram perseguidas e agredidas. O estádio do Palestra sofreu a ameaça de ser incendiado e, não fosse a pronta intervenção de um tenente da Polícia Militar, chamado Houri, e a coragem de alguns palestrinos, a horda de arruaceiros teria levado a barbaridade ao fim.



O debate interno tomou conta do Barro Preto. Era necessário nacionalizar ainda mais o nome Palestra Mineiro. Por decisão unilateral, no dia 2 de outubro de 1942, o então presidente, Ennes Poni, tentou alterar o nome do clube para Ipiranga. Não conseguiu. A escolha monocrática jamais foi oficializada. Não passou de um esboço de ata, assinado por apenas duas pessoas, imediatamente anulado pelo Conselho Deliberativo.

Cinco dias mais tarde, houve uma reunião definitiva entre os associados. O então presidente do Conselho, Oswaldo Pinto Coelho, sugeriu o nome ‘Cruzeiro’, homenageando a principal constelação do hemisfério sul e presente na bandeira nacional. A sugestão foi aceita por unanimidade e oficializada em ata:

"Aos sete dias do mês de outubro de 1942, às 20h30, em nossa sede social,  à rua Rio de Janeiro, presentes dez conselheiros, foi pelo sr. Presidente aberta a sessão. Como a presente reunião foi convocada para a aprovação do nosso Estatuto, foi o mesmo aprovado, depois de muito desentendido, passando a Sociedade Esportiva Palestra Mineiro a denominar-se ‘Cruzeiro Esporte Clube’. Em virtude da situação angustiosa de nosso club, foi nomeada uma junta go-vernativa, composta dos senhores João Fantoni, Wilson Saliba e Mario Tornelli, sob a presidência do senhor João Fantoni, que dirigirá os destinos do club até que sejam aprovados pela Federação Mineira de Futebol os novos estatutos";

Ata da reunião do Conselho Deliberativo do Palestra Mineiro, de 7 de outubro de 1942, quando da mudança de nome para Cruzeiro Esporte Clube, reproduzida do livro "De Palestra a Cruzeiro - Edição Centenária", que contou com o apoio dos Diários Associados. (foto: André Luppi/Instituto Palestra Italia)


Coube ao então presidente, João Fantoni (o Ninão), conduzir as mudanças que, na verdade, só se concretizaram totalmente em 1943. Era preciso ir além do nome Cruzeiro: o escudo, as cores e o uniforme, tricolores como a bandeira da Itália, também seriam alterados.

Para as autoridades brasileiras foi apresentada a história fantasiosa de que o azul era a cor do céu, onde estavam as cinco estrelas do Cruzeiro do Sul. No fundo, o azul representava a resistência palestrina, o amor incondicional de uma torcida pelo time criado por ela própria em 1921. O azul, em tom celeste, era o mesmo da camisa da Seleção Italiana. Essa era a verdade não dita. O escudo teria as cinco estrelas ‘presas’ num círculo.

A primeira vitória com o novo nome foi contra o América de Belo Horizonte: 1 a 0, gol de Ismael. O time jogou com Rui, Gerson e Azevedo; Rizão, Juca e Caieirinha; Nogueirinha, Orlando Fantoni, Niginho, Ismael e Zezé Papatela.