Gustavo Nolasco
Eu não queria ganhar a Série B. Dizia isso desde o início de 2020, alguns meses após uma organização criminosa formada por jogadores, conselheiros, dirigentes e empresários terem feito o que nenhum adversário no campo de jogo conseguiu: destruir o Cruzeiro.
Para a mais triste temporada de nossa história, eu almejava apenas o retorno – o quanto antes - à divisão principal do Brasileirão, da qual, mesmo após esses três anos sem disputá-la, continuamos soberanos como o maior vencedor fora do eixo RJ-SP. Foi uma das competições que acostumei a conquistar, sem sofrer em nenhuma delas, porque, cá para nós, idolatrar o sofrimento não cabe ao cruzeirense.
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No caso do Cruzeiro, foram necessários 107 episódios dentro do gramado e outros milhares fora dele para finalmente deixar a nossa Caverna do Dragão. Contra o Vasco, voltamos!
Essa jornada dramática acabou por nos fazer perceber que não presentear as pessoas que nos tiraram desse lugar estranho à nossa história seria de um egoísmo tremendo. Afinal de contas, para a grande maioria dos integrantes do nosso elenco, chegar em primeiro ao final dessa divisão do Brasileirão seria o maior e mais importante título de suas carreiras esportivas. Do jovem Geovane Jesus a Bidu. Do veterano Brock ao destaque Lucas Oliveira. Da revelação Neto Moura ao rápido Bruno Rodrigues. Do matador Edu ao jogador mais carismático do universo, Luvannor. De Pezzolano (como técnico) a Ronaldo (como dirigente no futebol brasileiro). Por eles e pela nova geração de torcedores que se forjou nas arquibancadas nesses últimos três anos, passamos a querer o título. Vibramos quando ele chegou.
Eu me lembrei do Campeonato Mineiro de 1987. Se ele me marcou por ter sido meu primeiro título como torcedor de arquibancada, para a China Azul foi o mais lindo prêmio pelos fracassos colecionados desde 1978 e pela tramoia da Federação Atleticana de Futebol e da Turma do Sapatênis em 1984. Quem passou por aquela Caverna do Dragão merecia ser campeão. Eles queriam aquela taça e foram buscá-la.
Hoje, com o título da divisão de acesso conquistado, tenho absoluta certeza do quanto o verbo “querer” mudou de conjugação. Se eu não queria o título de 2020, com a sinergia indescritível de time e torcida em 2022 eu já posso conjugar como “eu quis” ser campeão.
Agora, por mais que estejamos em merecidas férias antecipadas, me dei o direito de um último desejo. Quero uma linda festa na última rodada contra o CSA, no Mineirão, no dia 6 de novembro. Estarei lá na arquibancada, batendo palmas para os jogadores quando, ao apito final do árbitro e a entrada da taça no gramado, eles se emocionarão ao levantá-la. Na alegria deles, o meu reconhecimento por terem nos tirado da Caverna do Dragão.