Jornal Estado de Minas

DA ARQUIBANCADA

A Voz do Cruzeiro merecia um jogo de despedida

 

Qualquer criança cruzeirense, amante da bola, um dia sonhou em vestir a camisa azul estrelada. Desde novo, eu não fui bem dessa turma. Não por falta de amor pelo clube, desinteresse em ter meu nome gritado nas arquibancadas ou inexistência de desejo em ver meu rosto transformado em figurinha para ser colada ao lado da carimbada do Careca. Não sonhei por um motivo bem simples. Eu era ruim de bola mesmo.





Sempre tive a consciência do quanto o futuro não me reservaria a dádiva de ser um jogador. Restou-me cursar a faculdade de jornalismo, com o intuito de estar próximo aos meus ídolos, nas coberturas esportivas como repórter, e quem sabe, até narrar um gol.

Além disso, sou da leva de alguns milhões de torcedores que cresceram sem poder ver o escrete periodicamente no estádio ou na TV. Na minha cidade interiorana, Mariana, a imagem do jogo, o gol simples ou a emoção de uma vitória só chegavam pelas ondas do rádio, na voz de Alberto Rodrigues, o “Mais Vibrante do Brasil”.

Não por menos, ao lado de Salomé – a maior torcedora do mundo, ele se tornou o meu grande ídolo na história do Cruzeiro. Colado aos dois (Salomé e Alberto), estão Balu, Ninão Fantoni, Careca, Geraldo II e o Mestre da Gentileza, Dirceu Lopes. Em sua extensa carreira, Alberto Rodrigues construiu em nosso imaginário mais de 4.000 gols do Cruzeiro. Graças a esse monstro sagrado do rádio brasileiro, para mim, o futebol tem som, poesia e alma.





Nessa semana, a Rádio Itatiaia, última e mais longa casa de Alberto Rodrigues, anunciou seu desligamento. Não há aqui qualquer intenção de questionar a decisão da empresa, mas, sim, a de lamentar – com o coração partido – o fim dessa era. Nenhum outro ídolo cruzeirense foi titular por tanto tempo. O recorde do goleiro Fábio passa longe da marca da “Voz do Cruzeiro”. Desde o final da década de 1970, era dele a titularidade absoluta nas narrações de nossas pelejas mundo afora.

A grande maioria da torcida, principalmente os mais jovens, que nem rádio escutam mais, talvez não entenderão a importância de Alberto Rodrigues para a formação e aglutinação da torcida do Cruzeiro entre as décadas de 1980 e 2010. A mesma desinformação deve povoar a atual administração do clube. Porém, seria de um gesto de extrema grandiosidade a instituição render a ele uma homenagem oficial. Algo revolucionário, justo e marcante.

Plínio Barreto, Salomé, Felício Brandi, Pablito, Roberto Batata, Niginho Fantoni e Zé Carlos. Além da obviedade por terem sido cruzeirenses apaixonados, todos carregaram uma segunda marca em comum. A de só terem recebido justas homenagens por suas dedicações (no caso, ao Cruzeiro Esportes Clube) depois do ostracismo, da aposentadoria ou mesmo da morte, fosse ela trágica ou inesperada.





Mudar essa cultura de adiar reconhecimentos, de desdém aos mais velhos ou de desprezo pela história é praticamente impossível devido à natureza humana do imediatismo e do mercantilismo das SAFs. Porém, alguns gatilhos poderia reverter essa infeliz lógica de “forma notável”.

Em 2023, Alberto Rodrigues completará 60 anos narrando partidas de futebol; a esmagadora maioria, do Cruzeiro. Não na Itatiaia, onde a missão, agora, está com outro gênio da narração esportiva, meu amigo Pequetito. Mas fica a pergunta quase utópica: não seria magnífico o próprio clube convidar Alberto Rodrigues, a Voz do Cruzeiro, para um jogo de despedida, onde sua narração da peleja reverberasse não só pelas ondas do rádio, mas também pelos alto-falantes do Mineirão? Para milhões de cruzeirenses, certamente, seria “uma alegria incontida”.