Não há santo nessa novela do Mineirão. Das gestões do governo estadual às concessionárias de bens públicos – como a Minas Arena – e ao modelo das Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs). Da mesma forma, é preciso se conscientizar de que não existe tropeirão grátis para a instituição Cruzeiro (e para nós, cruzeirenses) em nenhuma das soluções que esses mesmos atores irão nos apresentar daqui pra frente.
A nefasta e irreversível mercantilização da paixão é a realidade mais deplorável do propalado futebol moderno. E se as torcidas preferiram ser passivas nesse processo, agora, também, se tornaram personagem dessa trama, onde estão a escutar o bordão do personagem Major Rocha, o policial miliciano do filme “Tropa de elite 2”: “Soldado Paulo, quem quer rir, tem de fazer rir”.
A partir da reforma do Mineirão, em 2010, todos os governos anteriores têm responsabilidade no que está acontecendo. A partir da reforma, ficou decidido que, do pagamento de seus custos viria a justificativa para a “necessidade” de uma futura concessão, onde quem arcaria com todo e qualquer prejuízo financeiro da operação não seria o investidor, mas, sim, o contribuinte mineiro. O jogo do “ganha-ganha” estava posto.
O governo subsequente se resumiu a executar – sem questionamentos – o desastre arquitetado. Um contrato onde absolutamente todo e qualquer personagem da história da humanidade era lesado às claras, sem arrodeio: torcedores, famílias que sobreviviam das barracas do entorno, a natureza vistosa, o meio ambiente urbanístico, entre outros. Somente um personagem seria beneficiado: os sócios (e suas ramificações) que estariam por detrás da figura jurídica da permissionária que viesse a representá-los na gestão do novo Mineirão.
Entre os absurdos do contrato, podemos nos resumir ao mais propalado deles: a permissionária jamais teria prejuízo com a operação, fosse ela incompetente ou azarada. Se os lucros vindo das rendas dos eventos não atingissem um teto mínimo mensal, o estado complementaria a “mesada” com dinheiro que deveria ir para educação, saúde, estradas, segurança e cultura e lazer realmente gratuitos.
O governo que veio depois reservou-se ao papel de covarde no imbróglio da concessão do Mineirão. E o atual governo não passou de falsos resmungos. Afinal, sendo filhote de uma ideologia que tem como bandeira a não gestão pública, ou seja, a privatização até da água que nasce da natureza, não ousou interferir nos “direitos” da permissionária (leia-se investidor). Afinal, para essa gente, se existe Deus, ele se chama Mercado, e Jesus Cristo é apelido do Lucro. “Ocês reclama de tudo, sô!”, diria ele.
Já a Minas Arena não é líder de um grupo de réus. E aqui não estou me referindo de forma individualizada ao CNPJ e seus responsáveis, pois seria leviano da minha parte. Falo do modelo de negócio. Ela é fruto do modus operandi da política pública, onde leis, obras e concessões não são pensadas para anteder às necessidades do usuário do bem público ou do trabalhador pagador de impostos, mas sim dos interesses da iniciativa privada ou do mercado financeiro. São nomes fantasias de quem está cobrando a fatura de todo o esquema pensado e executada lá em 2010.
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2023: o ano de reviver o amor inexplicável começouO dia em que Joãozinho "roubou" Roberto DinamiteO quase golaço do Rei Pelé em tabelinha com o Príncipe DirceuJá o modelo das SAFs é cruel, pois joga com a paixão de seus “clientes”, de seus “cartões de crédito corporativos”, antigamente chamado de “torcedor apaixonado”, para obter o máximo de lucro para seus sócios – não é futebol. Afinal de contas, se olharmos bem como surgem as SAFs, o modus operandi é o mesmo: lobby político, prejuízo ao contribuinte e ao trabalhador, institucionalização da garantia de lucro etc.
Como dito, no futebol moderno não existe almoço grátis. Portanto, é preciso muito cuidado para que a nossa paixão genuína não seja usada como massa de manobra de qualquer um desses personagens. O negócio de todos eles (governos, investidores e SAFs) é a mercantilização, e farão de tudo por ela. Mesmo que seja preciso transformar você no arroz que esconde o bife deles no fundo do isopor com o tropeirão.