Poderia usar todas as linhas desse rabisco semanal para falar sobre a imoralidade da aprovação da arena da SAF dos Bilionários do Brasil Miséria; fruto do rolo compressor, nas diversas instâncias públicas, sobre as obrigações legais de contrapartida junto à sociedade da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Mas como cruzeirense raiz, não vou me entregar à “atleticanização” de tampar o nosso sol com a peneira alheia.
O silêncio seletivo dos donos da SAF Cruzeiro durante todo o mês de agosto, enquanto era evidente a “ladeira abaixo” na qual nos enfiávamos, rodada a rodada, não pode ficar em segundo plano, mesmo com a tardia decisão de dar fim à Era Pepa.
A aprovação da arena da Turma do Sapatênis merece sim uma análise, mas não esportiva. Política? Econômica? Policial? Cada um pode escolher a sua preferida. Eu não tenho capacidade e direito de julgar. Por isso, dedico a ela apenas mais algumas linhas.
O episódio de quase R$ 1 bilhão foi uma demonstração clara de como o poder político e econômico das elites e oligarquias, no Brasil, continua sendo o verdadeiro norteador das políticas (que deveriam ser) públicas. O projeto que “abria mão” da conclusão de obras em vias públicas por parte da executora do empreendimento, antes de sua inauguração (e consequente uso das vias públicas), foi rodeado de interesses, no mínimo, imorais. Desde a apreciação nas comissões internas da Câmara Municipal de Belo Horizonte, passando pela entrada em pauta e votação no plenário, até a sanção da lei pelo prefeito – sem qualquer questionamento jurídico.
Em todas as instâncias, o poder decisório coube a agentes públicos notadamente ligados à instituição privada beneficiada, sejam como torcedores ilustres, sócios, sócios-torcedores e até mesmo como conselheiros deliberativos do Atlético de Lourdes. Alguns, inclusive, já se tornaram folclóricos por se negarem a usar canetas azuis para assinarem documentos e despachos. Isso não é nenhuma ilegalidade ou crime. Longe disso, importante deixar claro. Mas cada um é dono da própria consciência, principalmente quando ocupam cargos públicos.
Mas, dito isso, prefiro voltar ao tema que realmente merece uma análise mais profunda e contundente, ou seja, a situação desportiva do Cruzeiro. Sendo assim, para encerrar o tema das imoralidades da arena dos Bilionários do Brasil Miséria, me atenho a dois ditados populares que justificam o vira-latismo histórico do povo brasileiro frente às vontades e aos privilégios de nossa elite podre: “manda quem pode; obedece quem tem juízo” e não vou “sentar no meu próprio rabo para falar mal do outro”.
De antemão, me desculpo com os de opinião contrária, mas tenho para mim ser, no mínimo, preocupante a torcida do Cruzeiro perder tempo, energia, garganta e cobranças com estádios imorais ou taças conquistadas na canetada, enquanto pouquíssimos se revoltaram contra o nosso longo jejum de vitórias e começo de novo flerte com o Z4, regados a boa dose de prepotência da SAF.
Ao contrário de muitos, e mesmo tendo a profunda convicção de que escárnios como o atropelo para aprovar obras e leis de interesse das elites econômicas são o câncer de Belo Horizonte, de Minas Gerais e do Brasil, prefiro mesmo dedicar esses rabiscos às torcidas organizadas e aos torcedores de arquibancada e do interior mineiro que não se renderam ao silêncio seletivo da SAF Cruzeiro, e protestaram na última semana. Sem vocês, teríamos mais uma semana de Pepa e firulinhas nas redes sociais do clube.
Fica a lição. Em terra de privilégios das elites e de ode às oligarquias familiares e ao sapatênis, mudanças profundas só acontecem com muita luta de classe, protestos públicos e indignação coletiva. Vale tanto para a demissão do Pepa quanto para um Brasil mais justo.